28 de março de 2014

Dois Manifestos e um só problema



Por Marcelo Ariel

Manifesto da Recusa

Antes uma nota: Conheço o termo correto ‘ Saraus’ mas prefiro evitá-lo, como João Guimarães Rosa bem ensina, cada escritor que crie sua própria ortografia estou na verdade "criando " a palavra ' Sarais' como uma forma irônica de grafia do plural da palavra ' Saraus' que  é muito feia e não serve para apontar no texto a ligação com a frase ' se curem' que é o que ironicamente estou tentando fazer, é um erro com um propósito.

Constato que as centenas de Sarais espalhados pelo Brasil e em sua maioria concentrados no Estado de São Paulo não conseguem cumprir uma destinação anunciada pela energia da recusa que sempre caracterizou a obravida dos autores que viveram a vida como um poema, Lautréamont, Rimbaud, Nerval, Blake, Whitman e outros...Nestes sarais , a palavra Sarau por sua profunda ligação com a Sociedade do espetáculo, me enoja, Neste saraus de hoje se pratica apenas o marketing pessoal dos poetas, o outro é elidido e o que presenciei até hoje foi sempre uma redução fenomenológica do outro e do poema-em-si, devem haver exceções que desconheço, mas a regra tem sido esta, é claro que os poderes constítuidos incentivam de pronto os sarais porque eles se adequam em sua totalidade ao culto da personalidade praticado pelos detentores deste mesmo poder político, me pergunto se todo este espaço de incentivo para os sarais não faz parte de um projeto de aprimoramento da sociedade de controle através da simulação de aceitação dos "poetas de Sarau" e sempre possível a cooptação destes agentes de si mesmos e da pretensa importância de suas obras dentro de uma tradição que roça no beletrismo disfarçado de decomposição e protesto, muitosse aproximam saudavelmente do léxico dos rappers e fazem um discurso de ruptura que nunca se realiza ou se realizará na prática, ruptura que nem os rappers fazem,talvez  os loucos, índios e deslocados socialmente , a eles é permitido viver esta ruptura mas não ter uma voz, exceções existem , mas são tratadas como ' especiais' e isoladas num campo de estranhamento louvado como valor e logo depois são excluídos ou economicamente boicotados,  para eles poderia se abrir um campo de manifestações  maior do que todos os  sarais juntos, sei muito bem do que estou falando por experiência, isto não é um discurso de contradição. Obviamente não proponho o fim das reuniões de leituras de poemas, apenas desejo que elas aconteçam em zonas autônomas e longe dos estratagemas da sociedade de controle. Por que não a poesia como um elemento de controle social dos poderes? Por que não combatermos o culto da personalidade que já matou vários poemas e poetas ? Os grandes autores de poemas relevantes  da antiguidade negaram o culto da personalidade! A vaidade , sabemos é difícil de vencer, mas podemos tomar partido do Outro, recusar a visão funcional do ' poeta' inclusive como ' profissão' , talvez a função do poeta seja desaparecer dentro do poema e a do poema seja a de  se fundir na malha humana como a cor em certos bancos de corais no fundo do mar. Por que não colocar aposentar para sempre a palavra ' Sarau' e chamarmos os encontros de leitura de poemas de ' Atos contra o governo'. Poetas de todo mundo, recusem o ' Poeta' para viver o Poema!

    Imagem: Jean Michel Basquiat

Manifesto Sabiá

Conversando com um amigo sabiá, rimos muito das reclamações que fizeram de seus cantos. Ele disse que os cantos que mais incomodam são os quânticos desatrofiantes, que interiorizados oniricamente na cidade geram como primeira reação uma imediata indignação com os véus cegantes da pseudo exterioridade, e tem como consequência um acordar-revolta contra o próprio canto-reza (ele nomeou esse processo como ornitoclash anticósmico). Disse ainda que repelimos os cantos dos sabiás e dos sábios com a mesma ignorância que destruímos as abelhas humanas, atordoados e anulados pela pluriesquizofonia congelante e assassina do irreal. Tive de concordar, e rimos ainda mais. Quando lhe perguntei sobre os limites da desrazão, ele voou.
Depois me deitei no sofá e sonhei que ele não havia voado e havia começado uma convenção telepática de Pássaros do mundo inteiro e o Sabiá pousou em cima da lâmpada da sala e começou um canto-diálogo com o ‘Ele’ que é o eu dos sonhos:
Sabiá: – Nós somos o mesmo pássaro, mas de todas as formas de asa o seu olho é a mais bonita, a asa fechada no circulo, com todos estes fios finos.
Ele: – Supercordas para receber as imagens do cosmos disfarçada.
Sabiá:- O canto do olho cria todos os sóis, você é um Sabiá diferente dos outros.
Ele:- Eu sou um Sabiá, porque é o que todos nós dizemos quando encontramos vocês, definição é o assassinato pela nomeação.
Sabiá:- Sim, vocês cantam isso com o olho-boca, mas a porta , o que vocês chamam de bico em mim, é  em outro lugar na cabeça e é também um ovo que vocês quebram por dentro.
Ele:- O cérebro, o nome do nosso bico é cérebro.
Sabiá:- Então a flutuação dos raios é para dentro dos fios, aqui o ar é delicado e podemos conversar, mas meus eus estão chamando e tenho de voar para fora do seu dentro.
Eu acordo e não consigo  mais pensar em outra coisa a não ser na origem da palavra ‘ Sábio’ e na ligação entre o canto dos Sabiás e o canto quântico dos Pré-Socráticos.



O poema-problema



rejeito todas as projeções , de todas as versões de mim gosto da que o invisível permite que se manifeste, a flor negra dentro da matéria escura, existe mesmo uma realidade  que  as desesperadas vítimas do culto da felicidade obrigatória jamais perceberão, este culto é a magia negra que resistiu ao enterro de um século que sofre de catalepsia, o século XX, a energia da recusa não deve ser confundida com a resistência, resistir é projetar a força que deveria ser usada para criar uma nova instância e uma nova temporalidade, poetas são sadhus  que renunciam justamente a todas as projeções e capas, a morte  ( principalmente a morte voluntária )dos poetas se dá pela aceitação de projeções da vida que nega o direito  ao  ' wu wei' , pelo wu wei e contra o ' resistir' , não existe nenhum  sistema , nem o Solar, a projeção de sistemas é a primeira a ser dissolvida pela névoa-nada. Não existe nenhum sistema mágico, a magia rejeita os esquemas para acordar o A-ser no reino das visões da natureza