MENINÍNIMA
Ao nascer disse C’EST PLUS TARD.
Agora eu só quero dizer daquilo que não
compreendo. Quero ver se posso ficar inteira fazendo isto: escrever. Se isto
pode me ajudar a atravessar a superfície comum. Se posso misturar isto ao meu
corpo que dança e continuar sentindo a alegria delicada desse delírio cheio de
luz. Se escrever me fizer notar a dor no maxilar agora que rio depois de toda a
vida séria.
Se for capaz de me fazer aceitar todo o
poder do tremor, se escondido não vier o nauseante que já existe. Sim, o que
sempre se adianta sou eu, este texto escrito pelo mundo. Mas este tremor! Como
é diferente e divertida a dança impressa no meu corpo por este relâmpago.
Trovão, pode me rasgar, mostre a sua luz e o seu som ao meu medo! Medo, pode se
mostrar inteiro agora que eu te olho. Nunca cantei e nunca ouvi o que me vem
agora.
Se
eu puder ouvir é o projeto
da escrita. Se escrever me ajudar a permanecer no presente por meses sem fim...
Estar com o presente e não com a literatura.
Nasci, grita o corpo. Se escrever me ajudar
a esperar a chegada das entidades inéditas de dentro deste corpo...no corpo com
o corpo....do corpo....
Se a escrita me tirar de dentro do meu
quarto 2x2, e me fizer dobrar sobre mim para ouvir o som do sangue dentro da
abóboda do corpo. E se não me fizer desejar um outro momento igual, penso que o
tempo da escrita pode me salvar.
Se eu permanecer apenas olhando o que sai
pela mão do meu corpo, a escrita não me permitindo pensar, as lágrimas poderão
vir e trazer o muito além da palavra e levar.
Um terremoto está acontecendo dentro de mim
ao chorar com pleno gosto, humilhando-me no recurso da escrita. Agora este gozo
por ter o meu corpo de volta. A sua música. (Quanta surdez!) Mas meu corpo não
fica comigo continuamente. O Belo Estranho.
E a escrita me faz aceitar que seja apenas
agora. Não sei por quanto tempo Esta Presença, os ditames. A marca, minha
desconfiança. Ainda esta lua-de-mel aterradora. A escrita prolongando tudo.
Alarme! Não sei o quanto posso suportar da realidade do meu corpo junto a mim!
Prece: que eu me abra à minha própria
presença. Exigência: liberdade para meu corpo, civilização. (Eu te dei o nome,
você se esquece.) Corpo sem lar. Corpo-lar. Meu corpo não é uma palavra. E se a escrita pode me mostrar este momento e
expandir a experiência, isto é tudo.
Letras e sonoridades, uma trama
embrionária, um urdir esgarçante é a minha vida. De ponta cabeça na escuridão
da linguagem. Procuro o tom para dar início ao canto. Não sei o que faz o fio
ficar esticado, vou querer observar. (Sempre bambo, coração rimando com mão, o
medo de repetir e ainda assim repetir.) Esperar é o fio esticado?
Se a escrita puder ser para mim um lugar
onde por minhas mãos enquanto aguardo, e se junto não vier o nauseante que já
existe e me faz sofrer ânsias de tédio. Se a escrita puder ser um cipó sobre
abismos, um fundo fofo e falso me convidando a soltar meus braços e pernas de
uma vez. A escuridão fofa bem funda explodindo em sumos e painas de volumes
desconhecidos, e talvez de tão fundo um céu se abra. E mais um e outro céu:
céus e céus com abismos se abrindo!
O tempo necessário para escrever as
palavras é vivido por mim como se estivesse desenhando cada letra. A cobiça
exaspera-se no tempo da engrenagem motora, e não posso garantir se conseguirei
atravessar o universo mecânico. O medo de não poder me apoderar de tudo que já
me pertence parece adiar aparições.
_Não vou a esse aniversário de um ano. Sei
que a criança perceberá a minha opacidade. Você vive comigo e não percebe, e
não perceberão as pessoas que lá estiverem, os amigos. Mas a criança verá a
minha radiação sem fulgor. Por isto, somente, eu não vou.
Agora estou aqui cheia de ideias, sem lugar
para mais nada, MENINÍNIMA. Anoto este nome na agenda vazia do ano
passado.
Amélia Loureiro
Comentário: Amélia Loureiro nasceu em Patos de Minas e reside em São Paulo, seus contos dialogam com o trabalho de Maura Lopes Cançado, no deslocamento da interioridade capaz de criar camadas de significado profundamente conectadas com a interioridade do mundo.