18 de dezembro de 2014

Originais inéditos de Manoel de Barros -- Homenagem de Douglas Diegues e da Confraria


Nessa homenagem a Manoel de Barros, no dia de seu aniversário, publicamos originais tanto manuscritos quanto datilografados de poemas e cartas do poeta, em situações de escrita informais e familiares (considerando que se pudesse dizer o contrário de algum momento de sua vida e escrita). Acolhemos, para isso, a oferta de Douglas Diegues (el gran poeta do portunhol selvagem) de abrir seu baú pessoal de amigo e nos relatar alguns de seus momentos com Manoel, além de anotar cada original com suas memórias e respectivos contextos. Deixamos ao leitor a tarefa de ler diretamente tais originais, sem uma transcrição facilitadora de nossa parte, pois acreditamos assim tornar ainda mais presente o poeta, o homem atrás da caneta, a fim de, talvez, darmos uma oportunidade aos leitores de se despedirem pessoalmente do mestre. É sobretudo uma homenagem afetiva (daí originais e manuscritos terem seu valor em si mesmos) que buscamos neste dia 19 em que Manoel completaria 98 anos. Aproveitamos para registrar nossos parabéns a esse que agora já se tornou "passarinho"!

Ao leitor, bom proveito e boa despedida!

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Encontros com Manoel de Barros antes dele virar passarinho.
Por Douglas Diegues 

Yo me lembro que el dia em que Manoel de Barros saiu volando fuera del asa, do lugar onde estava ele já havia ido embora forever. Agora, cada vez que lemos uma frase, um verso, uma gag verbal dele, Manoel de Barros ressuscita. E posso entender mais ou menos mejor aquilo que Lezama Lima escreveu: el poeta como ser para la ressurección y non para la morte etc e tal. 

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Yo me lembro que primeiro conheci la poesia de Manoel de Barros, después conoci al poeta. Thais, la hermosa jornalista que morava en la city morena, me deu de presente um ejemplar de "Arranjos Para Assobio" fotocopiado y encadernado com arame. Thais me deu também um ejemplar del "Livro de Pré-Coisas" que acabava de aparecer. Fiquei encantado com la poesia que el poeta apresentaba, pues como ele próprio dizia, lo que apresenta um poeta es la poesia que el poeta apresenta, non adianta prefácios importantes, orelhas, cartas, etc e tal. Después, aquelas mais de 30 páginas en la hermosa revista El Paseante, de Barcelona. Entonces pensei com mios botones: Manoel de Barros era um daqueles brujos del lenguaje, como Guimarães Rosa, Machado de Assis, Padre Vieira. Sua palabra tinha frescor de chamas y orvalho. Entonces vim a Campo Grande num inverno de 1989 solamente para conocer al poeta, que escrevia coisas tipo: "Tudo que nossa civilización rejeita, pisa y mija em cima, serve para la poesia".

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Yo me lembro que la hermosa jornalista Thais organizou el primeiro encuentro. Quando chego, el poeta Manoel de Barros estava lá na porta de seu escritório com aquele sorriso de kurumiri selvagem. Ficamos mais ou menos uma hora conversando sobre poesia etc e tal. Me despedi antes del anoitecer. Y desapareci por uns 2 años. 

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Yo me lembro que um dia escrevi uma carta a Manoel de Barros pedindo textos para el número nada duma revista literária que se chamava "teyu-í", lagartixa em guarani-paraguayo. Ele respondeu dizendo que achava legal eu ter reaparecido, que el nome de la revista literária era bom y que iba a colaborar numa boa. Enton ficamos amigos.

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Yo me lembro que visitar Manoel de Barros passou a ser el mejor programa cultural possível em Campo Grande. Conversar com el poeta na sala de sua casa era siempre como uma aula de literatura selvagem. Cada conversa era um curso de como ver linguagem, como ver poesia, como ver arte. Las aulas nunca foram chatas. Eram aulas selvagem de onde voce nunca saía mais pobre. Ali aprendi, entre otras cosas importantes para la poesia, que el delírio tem de ser verdadeiro y que lo inverosímil non serve se non for verosímil.   

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Yo me lembro que Manoel de Barros morava em Campo Grande, mas era um anti-provinciano. Achava el provincianismo cultural um pé no saco. Había vivido em Nueva York, onde fez cursos de como ver cinema e como ver pintura. Vagabundeando pelas calles de Nova York, Manoel de Barros descobriu las obras de Picasso, Klee, Dali, Braque, que acabavam de chegar para muestras em las galerias de arte de la city. Ele lia Rimbaud nel original y era um grande leitor de diccionarios antigos de la lengua portuguesa. Tinha dois dicionários rarófilos antigos de la lengua portuguesa em seu escritório de ser inútil: um do Moraes e um do Viterbo. Um dia que fui visitar o poeta em sua hermosa casa de la Rua Piratininga. Quando entrei vi que ele passava um pente numa página do Viterbo. Perguntei se era alguma operación de magia simpatica. Ele respondeu que estava apenas penteando las palabras.
 
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Yo me lembro que Manoel de Barros morou mais tempo no Rio de Janeiro do que em Cuiabá, Corumbá, Pantanal ou Campo Grande. Preferia o Leblon ao Pantanal. No Leblon quase nem había mosquitos. Nel Pantanal, había mais mosquitos que gente y árboles, e algunos desses mosquitos chegavam a derrubar las pessoas de la hamaca paraguaia.

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Yo me lembro que ele me contou que um dia foi a um Dancing que ficava no centro do Rio e quando entrou ele viu Vinicius de Moraes sentado numa mesita com várias mulatas. Ele se aproximou e disse que era o poeta Manoel de Barros, que ele había publicado nel suplemento literário do Jornal do Brasil, que comandava à época. Vinicius de Moraes ficou feliz de saber que ele era o Manoel de Barros y lo convidou para sentar en la mesita com ele y las mulatas. Depois foram tomar canja de gallina en la Galeria Cruzeiro, perto de la Avenida Rio Branco, que vendia canja para borrachos hasta el amanecer. Assim ficaram amigos.

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Yo me lembro que quando el comunista Prestes se aliou a Getúlio Vargas, Manoel de Barros sentou en la primeira sargeta que encontrou y chorou de decepção. Depois, Manoel de Barros rompeu com o Partido Comunista Brasileiro e nunca mais quis saber puerra ninguma de la política.
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Yo me lembro que quando Manoel de Barros veio morar em Campo Grande nos anos 60, teve de batallar la leche de las crianzas e ficou sem escrever por 10 años. Quando morava no Rio sua poesia era mais contaminada por lo urbano a la beira-mar. Quando voltou a la selva de Campo Grande, sua poesia reverdeceu influenciada por brejos sinfônicos, sapos que viravam meninos quando beijados por meninas, la inocência vegetal, el solo germinativo primitivo, las imagens vistas através de um olho de pássaro que usava para obter uma visão, muy própria, de las coisas que humanizaba y los seres que coisificaba. Pienso que Manoel de Barros inventou la literatura infantil para adultos. La infância tem muita influência em seus escritos. La infância de las percepciones primeiras. En la infância estamos mais perto do chão, de las coisas pobres e sem importância do chão. Para la crianza, todas las coisas são puras, ao ponto dela lamber o chão, comer a terra, mijar em morrinhos de hormigas para infantilizá-las.
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Yo me lembro que segundo um filósofo árabe citado por Gilberto Freire, el adulto é uma degeneração de la crianza.

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Yo me lembro que Manoel de Barros era uma espécie de poeta que non degenerou em adulto. Ele solamente teve infância; nunca saiu de la infância, de las origens, del tempo de las percepciones primeiras.

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Yo me lembro que Manoel de Barros nunca fez paisagismo naturalista, ecológico, folclórico, etc e tal. El Pantanal que aparece em sua poesia non es el Pantanal real para inglês ver. El Pantanal de Manoel de Barros es um Pantanal personal e intransferibelle, visto por meio dum ojo de pájaro que el poeta usava para transver coisas, um Pantanal inventado com palabras, sintaxes perfeitas, imagenes onde cabiam el delirio de los loucos, los borrachos, los andarilhos y las crianzas, gags linguisticas em manoelês archaico, lenguaje propia non catequizada.

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Yo me lembro que nel “Livro Sobre Nada” ele registrou que para tirar la solenidade de las frases, usaba bosta. Ele non era falso, non regulava micharía, y nunca teve nada que ver com aqueles poetas chatos que os alunos eram obligados a engolir na sala de aula.

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Yo me lembro que quando vi Manoel de Barros deitado no caixão, ele estava sorrindo como um menino do mato numa boa.
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Yo me lembro que a pintora Martha Barros, hija del poeta, me disse que Manoel de Barros non morreu pues había virado passarinho un poco antes del amanecer.
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“El diálogo con Manoel de Barros era siempre enriquecedor. Voce nunca ficava mais burro ou mais pobre despues de passar um tempo conversando con el poeta. Gostaba de ir la na bela casa dele en la calle Piratininga, mas também curtía conversar por escrito. Alem dos libros que ele me enviou de presente autógrafados, tengo aquí en la fronteira selvagem unas cuantas cartas de Manoel de Barros que guardo agora numa caixa colorida de cartón que una bela yiyi me deu de presente. Relendo las cartas, consigo ouvir la voz del poeta e amigo que me deu tanto e nunca pedíu nada en troca. Algunas cartas, como esta que compartilho com los lectores, vieram con poemas inéditos, como estos dois verbetes del DICIONÁRIO DO ORDINÁRIO, escritos na olivetti desengonçada que el poeta usaba para redigir los originales que depois mandaba a los editores" -- D. D.




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"Tal vez seja el último poema escrito por Manoel de Barros después de la última visita que fiz a ele em meados de 2012 para propôr uma entrevista. Para minha sorpresa el poeta topou. Eu quería mandar la entrevista pro suplemento literario do Jornal do Brasil, mas o Jornal do Brasil non existía maís. Quis mandar pro suplemento literario de O Globo, mas la entrevista era muito longa para las miserables duas páginas que o Globo gasta com literatura uma vez por semana. Enton mandei pra revista Cult, que aceitou publicar. Para enriquecer o material, pedí al poeta um  inédito. Días depois, recibía en la frontera selvagem um envelope pardo con el poema inédito manuscrito. A Cult publicou a entrevista e o inédito em generoso espaço de mais de sete páginas" -- D. D.


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"Auto retrato aos 80 foi escrito a pedido para uma revista ou jornal gigante que fiz aqui ja fronteira selvagem para celebrarmos los 80 años de Manoel de Barros. Esse texto foi re aproveitado después para livro onde aparece fragmentado em varios poemas mais curtos" -- D. D.


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"Manoel de Barros non regulava micharia. Sempre convidava para fazer algo. A convite dele, escrevi a orelha de la edición del Livro de Pré-Coisas. Nesta carta, Manoel convida para organizar um livro com ele, talvez porque, como disse a dona Stella aquela vez que a gente foi lá robar un pouco da alma dele como uma filmadora: 'o Douglas capta bem as coisas do Manoel...'" -- D. D.


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"Manoel de Barros gostava de desenhar. Este boneco desenhado por ele foi enviado para a capa do número zero da revista de arte "teyu'i", que apareceu em 1995. Nossa intervención foi apenas pintar de amarelo el corazón invertido del profeta manoelês. El amarelo, para os mbyá guaraní, color de sol, cor de luz, es el color del infinito y de las cosas indestructibles" -- D. D.


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"Texto de Manoel de Barros escrito a pedido para "Kosmofonia Mbyá Guaraní", livro que organizei con Guillermo Sequera sobre as origens míticas  del som (la música) y de las palabras entre los mbyá guaraní del trópico sul" -- D. D. 



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"Em 1996 publicamos o segundo e último número da revista "teyu'i" dedicado na íntegra a Manoel de Barros e sua palabra encantatória. Para enriquecer o material, pedí textos a pessoas  do Río de Janeiro, que curtiam a poesía de Manoel de Barros, como Antonio Houaiss, Enio Silveira, Etc e tal. Enio  Silveira era editor de Manoel de Barros, e tinh a publicado "Gramática expositiva do Chão - poesia quase toda", pois até 1990, o único libro disponible de Manoel de Barros era "Arranjos para a Assobio", cuja capa tinha ilustração de Millor. Depois de 1997 é que a obra de Manoel de Barros começou a circular novamente pelas librerías brasileiras. Solamente una livraria en campo grande tinha uns exemplares de "Arranjos para Assobio". En las otras livrarias de la city morena, ninguém  sequer sabia quem era Manoel de Barros" -- D.D. 



Douglas Diegues nasceu no Rio de Janeiro em 1965. Passando grande parte da vida entre Brasil e Paraguai, é um dos criadores do "portunhol selvagem", mistura do português, espanhol e guarani: "que queimem o contrato vigente de Itaipú Bi-nacional e inventem um outro, mais justo em todos os sentidos, e se possível todo escrito em portunhol selvagem, la lengua mais hermoza de la triple frontera, onde cabem todas las lenguas del mundo, incluso las ameríndias...". Tal proposta relaciona-se, na verdade, com sua longa pesquisa em etnopoesia, concentrando-se na poética de povos indígenas do Brasil. É, junto com Manoel de Barros, autor do roteiro O poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina, para a TV Cultura, em 2004.