30 de outubro de 2014

DENTRO, poema inédito de André Di Bernardi













Dentro – do mundo
uma série de coisas,
um bicho, uma pedra , uma semente,
o ingênuo breu,
um fiapo de luz,
e a urgência,
triste, tênue, quebradiça.

Dentro – aqui
uma pessoa
eu
folha solta, no chão
de dentro de uma árvore
(míssil ao céu),
uma árvore propensa, febril,
ultrapassada,
que há pássaros
sem um rumo natural.

Dentro – no vento.
Dentro – no ventre
de vidro feito,
delicada água
insubmissa.

Dentro,
submerso nos teus olhos.
Dentro.

Dentro
ainda e sempre
dentro
do teu cheiro,
dentro da máquina escrota.

Dentro embora
de Deus
e pronto.

Dentro
do nada,
do sempre controverso.
Cada vez mais
dentro
do escuro.

Dentro
de um grande rio submisso.
Dentro
do amarelo imenso,
do ilimitado, no pequeno frio.

Dentro
da beleza estranha.
Dentro
sim, da poesia
dos desenhos que fiz
na infância.
Ainda naquele esboço.

Dentro
do que era para ser,
dentro
do que – ainda –
não veio,
isso que pode estar
nas nuvens, prestes,
no mais alto plúmbeo.

Dentro,
para dentro,
mas para caber, cada dia mais
(sumindo aos poucos),
um pedacinho a menos de nós,
nessa dialética estranha:
cada dia mais
um pedacinho de tudo
incorporado alhures.

Dentro
um nome medo,
refugo,
mas também refúgio
para tropicados e vencidos,
aonde o poema,
nosso maior rival,
não ganharia do vento,
do mar em praia nua.

Dentro,
cada vez mais
destemidamente
desprotegido
soterrado
cada vez mais
encostado em ti.

Até brotar, até colhermos,
sem medida, no sem sentido
mais exato, justo,
como deveriam ser as rosas particulares.

Mulher e filha,
dentro
das duas, três,
dentrodeus: mãe.
Dentro
ainda e sempre
no ventre delas: eu.


André Di Bernardi nasceu em Minas Gerais, Belo Horizonte. Poeta e Jornalista, é autor dos livros A hora extrema (ed. autor), vencedor do prêmio Álvares de Azevedo da Academia Mineira de Letras (AML) em 2003; Água cor (col. Almanhach de Minas); Longes pertos pertos e algumas árvores (ed. autor); É quase noite no coração daquelas águas (Confraria do Vento) e O ar necessário (Jaguatirica). Participou das antologias Amar, Verbo Atemporal (100 poemas de amor) (Rocco) e Pelada poética (Scriptum). Tem poesias publicadas no Suplemento Literário de Minas Gerais e escreve resenhas literárias para o jornal Estado de Minas.