[Imagem
de Roger Ballen]
O PRÓXIMO EXTIRPADO
isto
não é um começo
não
há começo num
leito sem palavras
ouçamos
deslizarem pela sombra
os
ombros de uma forma esquecida
o
esforço de blocos se afastando
sob
a orquestra congelada
dor
laqueada na mobília de onde retiraremos gavetas vazias
você
se mescla de outros ocos
e
vem
ouvir
o
chiado
das
asas secas de acumulações infecciosas que
mastigo entre a saliva
o
próximo nome extirpado do poema
dedo
que falta
por
ser a escrita
você
goza
morre
o
sentido envenenado cintila
SEM TÍTULO
plural
do fim
por
engano de ser coisa
a
cavidade do corpo convoca
um
ser que não vem
ou
vem desigual
o
imediato nele é sempre duradouro
INABITÁCULOS
qualquer
lugar
existe
mesmo
por um triz
a
arder em fusão negativa
um
outro mundo por geografemas
na
dublagem
como
impenitência
poro
cápsula dobra cardinal
chove
alfabeto preto no escuro
lendo
a colisão desconcertante das palavras
íntimas conexões lixam os olhos
vamos
procurar esse edifício que
nos caiba
nenhum
mapa que diga os contornos
o aeroporto é o único
monumento da era, andréi
vozniessiênski
o
poema me empurra pra fora
ponho
o pé em afinidades cortantes
dentro
dos trânsitos
e o que você vê?
só
a sombra rasa da palavra vácuo
novo
vidro
como
um território mínimo
AQUELE
uivar
em código
[ladrilho
mínimo das peças]
em
QR-Code
porque
o caçador virá
leitor
nômade
que atira andando
e
some
PAISAGEM RELACIONAL
o
sono abraça a torre de controle
e
ariadne disléxica
do
avião olha a grécia
não há labirinto
tampouco
estados brutos
os
novos contratos entre
a
folha de chá e o
chinês
entre
o colecionador e o besouro
os
óculos 3d e o horizonte
o
suor e o agasalho termorregulável
o
taxidermista e o museu de washington
entre
a osteoporose e o whey protein
águia
e dronne
entre vegetais
máquinas
humanos
que
maçã renomeou a mão de newton?
objetos
boiam na piscina em que sereias bêbadas
sonham combustão
transescrita
animais
quebradiços
produtos
para lustrar a máscara da tragédia
códigos
linhas
o
novo contágio entre as palavras no escuro
quando
amanhece
ESBOÇO DO FOGO
porque
estou a contornar o fogo
a
precisa imperfeição do esboço
que
agora suspende este poema
ei-lo
no ar
nalgum
vácuo
porque
tento um esboço do fogo
as
bordas inflagrantes queimadas
porque
esboço um esboço do espectro
construção
de excitações
vislumbro
a quântica endoidecida
porque
contornar pela escrita é essa queimadura
inflamada
ao sopro da leitura
agora
chove
estalos de frames pelo fio do raio
porque
insisto em sabotar a chuva
porque
aprendo a desaprender o poema quando a
incandescência
arde os pés com que chego
à
vertiginosa superfície que se contrai
porque
no avesso se expande
em
labareda
e busca as árvores
holográficas
sonho
respirar a combustão
— o poema sonha me consumir?
no
sonho não há projeto
NO POMAR COM GERTRUDE
há
um berço um chão de vidro
daqui
de baixo alguém vê palavras e
estendo
a sombra
um
surto de gafanhotos poéticos
devoram mapas
há
confetes bélicos os poetas descem um
pouco
depois de as nuvens sangrarem
o
imaginário goteja no real
vem
irrigar o olhar
dízimas
em curso
perdas
totais no pomar que abre as asas
em
chama
puxo
as crinas de gertrude stein ela trava os
dentes e responde estilhaços
QUANDO COÁGULOS
entremos
na casa
mesmo
cegos
toquemos
os nódulos
do
lugar
corpos
radioativos
lancemos
na planta baixa
as digitais do presságio
sorvamos
a colisão das pétalas
para
ouvir os tons de lugares que
nunca
foram
habitáveis
lancemos
no rés da busca
as
digitais da ausência
na
caixa-preta não está o voo
entremos
nas fibras tensas
seu
relevo coagular nos canaliza
as
paredes transparentes
drenaram
a transparência
dos
seres que andavam pelos corredores
em
tudo havia luzes emitidas
por
hidrelétricas
provisórias
deixemos
em silêncio a casa por construir
AUTÔMATO
conto
as trincas do silêncio absoluto
sou
a palavra sem mãos sem passos
mutilação
entrincheirada
vêm
os poetas traçam dispersões
raspam
meus cabelos de chumbo
e
a tatuagem está apenas a
seis
milímetros da caixa óssea
gordura
coalhada no lago da cabeça
os
poemas todos jazem naquela superfície de escuridão
—
venham beber do lodo
mas
não me ouvem sou a palavra
sou
a diagramação desta sede
à
ponta seca do lápis constrangido
os
vocábulos confusos jorram
a
frase não cessa de escapar
jogo
os versos uns contra os outros
e
eis que compõem a pele escassa dos
lapsos
monumentais
lá
fora a ruína ergue o mundo
acima do código
mastigo
a página os sabores migram
Alexander
Nassau é mineiro que está capixaba. Publicou o livro de poemas O tempo da curva, pelo selo Aves de Água
(2010). Professor da rede federal. Etc.