7 de abril de 2015

Inédito de Francine Jallageas


Foto de Francine Jallageas


a seguir
como se houvesse sucessão
você abrirá os olhos para mais um dia
como se dias existissem

você falará sobre o frio
como se você sentisse frio
você fará todas as coisas que consistem em
comportar-se como você mesmo

como se você mesmo existisse

você fala
(vejo você sentado no lugar de agir)

estamos à espera
virá o homem que leva embora bibliotecas
não posso lavar os livros, meu senhor

você fala
(duas vezes)

comece pela boca
destrua seus olhos

construa um novo olho humano
cego para os espelhos
eficiente para os piolhos

jogue seus braços fora
mas fique com as mãos

costure três membranas longas
para flutuar
nas pontas das orelhas

no tronco atarraxe
vinte e cinco pernas elásticas
para percorrer longas distâncias

inaptas para efetuar depósitos bancários
e pilotar escavadeiras

(esta ideia é boa
temos que inventá-la)

os grãos se acumularam
e as narrativas desenharam círculos
maiores do que as páginas

nenhuma linha remediou a vida

você fala
(você pode falar
várias vezes a mesma coisa)

você pensou a noite toda um plano
para nunca mais fazer planos
e acovardou-se até se transformar no coadjuvante

o coadjuvante não pode ir até a janela
subir no parapeito com o cabelo esvoaçante e saltar
ou deixará de ser o coadjuvante

agora vamos mascar cacos de vidro
vamos engolir os pedaços mais brilhantes do mundo

como naquele documentário
da vidente que morreu no corredor
do hospital miguel couto
com uma infecção no braço
à espera de atendimento

sobreviver com menos do que é possível
tudo o que fizemos aos nossos santos
e o que eles farão por nós

traga o fogo, apagaremos nossas cidades
as crianças não fazem promessas, ouço o bebê gritar
traga o mar, estamos de partida

é perigoso dar as costas para o céu

a guerra travada entre as buzinas
(estou na janela do seu apartamento)
foi descrita no último livro

você congelou os alimentos
seria preciso paralisar a cena

alguém
ao lado de outro alguém
ao lado de outro alguém
ao lado de outro alguém

ninguém falou de amor
esta ideia veio depois

no banquete, ninguém falou
você chocará um ovo oco

você vai morrer de medo do monstro

mandaram-me ir, eu me vesti
mandaram-me ir, eu empilhei caixas
mandaram-me ir, eu falei

mas não estou bem certo
se você não pode jogar com os conceitos, finja poder

os urubus são os peixes
os pobres são as pedras
os papéis são as pessoas
os doentes são os que se levantaram


o que eles darão em troca?

alguma coisa que terá sido transformada
em tempo

faça a conversão das moedas


Francine Jallageas cansou de ter de inventar biografias a cada vez que uma poeirinha de cupim comedor de armário velho que ela escreveu vai parar na internet.