14 de agosto de 2014

Emmanuel Hocquard - Un test de solitude

 
Emmanuel Hocquard é um poeta e tradutor francês. Nascido em Cannes, sul da França, muda-se nos anos 1960 para Paris, onde funda a editora Orange Export Ldt (1973-1986), responsável pela divulgação da poesia estadunidense na França. Em 1989, funda Un bureau sur l’Atlantique, associação que divulga a poesia americana contemporânea. A poesia de Hocquard rompe com o lirismo e se aproxima de autores objetivistas estadunidenses, como Charles Reznikoff e George Oppen. Trabalha, ainda, com o entremeio dos gêneros, caso de Un test de solitude, que traz o subtítulo “Sonetos”, sendo, com efeito, uma reunião de sonetos, poemas, trechos de gramática, discurso filosófico etc. Hocquard trabalha, para além de um suposto “lirismo”, com a língua e o pensamento, com a percepção e com o objeto. Os textos a seguir são uma primeira tentativa de tradução dos poemas que compõem o “Livro 1” de Un test de solitude [Um teste de solidão], publicado pela editora P.O.L em 1998.



I

Bonita.
Olhos sorrindo, uma vaga tristeza na
expressão do rosto.
- Como soletrar esse nome?
Tudo o que poderia ser dito se confundiria ao
barulho dos carros na rua, na frente da
padaria.
Piero dela Francesca.
Por hoje, contente-se em comprar uma
metade de pão.
Bom dia, Viviane Vendedora.
“Denuncie correspondências obscenas ao gerente
dos correios.”
Desde o começo do verão ou o naufrágio do Titanic.


VII

Sua voz de Viviane é Viviane.
Confessando sua incompreensão sorridente na
luz que vem morrer sobre seu rosto e
mãos, a moça vira as costas para a carta
branca de Reykjavik.
Tomei a decisão.
Este livro – começo a escrevê-lo para você
será o mais simples possível. Tome-o pelo
que pretende ser: um verdadeiro livro de imagens
diretamente extraídas das circunstâncias. E se
aos sentimentos discretos daquele que o escreve se
misturam alguns ecos de filosofia, é que, para
o autor destas páginas, a filosofia pode também
se mostrar por imagens.


XI

De nenhum ponto do canal é possível ver
o tronco queimado. Não por causa do carpino.
Porque falta uma palavra.
O lago dois comunica com o lago três
por uma vala de concreto.
O lago três com o canal pela abertura, desde
a ilha de pedra.
Mas como comunicar o tronco queimado
com a lembrança do canal?
Como ordenar em série lógica as grandes
obras desses últimos verões?
Ainda não te falei da cabana, mas
conserto esse esquecimento.
Vou te falar da palavra cabana.


XIII

Crônica das últimas grandes obras do verão.
1993. A escavação do lago dois. A primeira
rã e a muito grande biblioteca.
1994. Viagem a Reykjavik (a montagem do filme). A
escavação do lago três. As carpas koi, o
salgueiro-chorão e a rã impetuosa.
1995. A configuração do canal. A toupeira. O
livro da toupeira. A garça-real. O livro do
canal, sinopse.
1996. A construção da cabana e do totem
primitivo para os chapins e os pintarroxos.
1997. A viagem a Reykjavik (o livro). As quatro
galinhas. A consumição do tronco. A
construção do antefixo dos pássaros.


XV

A regra diz que ver é um verbo de ação.
Mudo a regra e digo que ver é um verbo
de estado (ou de mudança de estado).
Algo óbvio, quando pensamos.
Vejo uma folha. Pego uma folha.
As duas frases não são equivalentes.
Desenho uma folha é ainda outra coisa.
Giacometti vê um cão. Aquele cão que ele vê naquele
dia.
Ele diz: “Sou esse cão.”
Faz a escultura desse cão. Autorretrato.
Vejo Viviane.
Viviane é Viviane.
Escrevo os sonetos de Viviane.


XX

Viviane é Viviane. Evidente, só.
Quem fala?
A frase é sem autor. A frase é sem
sujeito. A frase é sem verbo.
Na frase, é não é um verbo do qual a
primeira Viviane seria o sujeito e a segunda
o atributo.
Só há uma Viviane. Só, evidente.
Que verbos Viviane envolve?
Levantar os olhos, sorrir, dizer “Bom dia”, se
virar, se curvar, pegar o pão, se virar,
pesar, estender o pão, dizer “Tchau”...
Passeio meu pensamento do canal ao tronco
queimado. É um jardim que caminha.


XXV

Ou como Viviane é Viviane escapa à
gramática.
Ou então o teste de outra gramática.
Poderíamos dizer um teste de solidão.
No sentido de Gertrude Stein: “Sou uma
gramática.”
V é V
Que outro modo de tempo aqui se instala?
O tempo de passar do canal ao tronco queimado,
um bater de asas de borboleta.
A forma de uma dobra.
Suspensa.
Sábado de manhã em Bordeaux. À tarde vou
a Fargues buscar pão.


XXXIII

O canal está no  passado.
O tronco queimado está no passado.
Os objetos são marcas gramaticais.
São o tipo de objetos de que a gramática
precisa para fabricar perspectivas. Jardins à
francesa.
Não vimos Reykjavik, apenas o
mostramos.
Não podemos nem ver nem mostrar a palavra
ausente.
Assim chega ao fim, Viviane, o primeiro livro desse
teste de solidão.




I

Jolie.
Des yeux rieurs, une vague tristesse dans
l’expression du visage.
- Comment épelez-vous ce prénom ?
Tout ce qui pourrait être dit serait brouillé par la
rumeur des voitures sur la route, devant la
boulangerie.
Piero della Francesca.
Contente-toi, pour aujourd’hui, d’acheter un
demi-pain.
Bonjour Viviane Vendeuse.
« Dénoncez tout courrier obscène au régisseur
des postes. »
Depuis le début de l’été ou le naufrage du Titanic.


VII

Sa voix de Viviane est Viviane.
Avouant son incompréhension souriante dans la
lumière qui vient mourir sur son visage et sur ses
mains, la jeune femme tourne le dos à la carte
blanche de Reykjavik.
J’ai pris la décision.
Ce livre – j’entreprends de l’écrire pour vous
sera le plus simple qui soit. Prenez-le pour ce
qu’il se propose d’être : un vrai livre d’images
directement puisées aux circonstances. Et s’il se
mêle aux sentiments discrets de celui qui l’écrit
quelques échos de philosophie c’est que, pour
l’auteur de ces pages, la philosophie se peut aussi
montrer par des images.


XI

D’aucun point du canale il n’est possible de voir
la souche brûlée. Pas à cause de la charmille.
Parce qu’il manque un mot.
Le bassin deux communique avec le bassin trois
par une rigole en tuiles cimentées.
Le bassin trois avec le canale par le regard, depuis
l’île en pierre.
Mais comment faire communiquer la souche brûlée
avec le souvenir du canale ?
Comment monter en série logique les grands
travaux de ces derniers étés ?
Je ne vous ai pas encore parlé de la cabane, mais je
répare cet oubli.
Je vais vous parler du mot cabane.


XIII

Chronique des derniers grands travaux d’été.
1993. Le creusement du bassin deux. La première
grenouille et la très grande bibliothèque.
1994. Voyage à Reykjavik (le montage du film). Le
creusement du bassin trois. Les carpes koï, le
saule pleureur et la grenouille véhémente.
1995. La configuration du canale. La taupe. Le
livre de la taupe. Le héron cendré. Le livre du
canale, synopsis.
1996. La construction de la cabane et du totem
primitif pour les mésanges et les rouges-gorges.
1997. Le voyage a Reykjavik (le livre). Les quatre
poules. La consomption dela souche. La
construction de l’antéfixe des oiseaux.


XV

La règle dit que voir est un verbe d’action.
Je change la règle et je dis que voir est un verbe
d’état (ou de changement d’état).
Ce qui est évident quand on y réfléchit.
Je vois une feuille. Je ramasse une feuille.
Les deux phrases ne sont pas équivalentes.
Je dessine une feuille est encore autre chose.
Giacometti voit un chien. Ce chien qu’il voit ce
jour-là.
Il dit : « Je suis ce chien. »
Il fait la sculpture de ce chien. Autoportrait.
Je vois Viviane.
Viviane est Viviane.
J’écris les sonnets de Viviane.


XX

Viviane est Viviane. Évidente, seule.
Qui parle ?
La phrase est sans auteur. La phrase est sans
sujet. La phrase est sans verbe.
Dans la phrase, est n’est pas un verbe dont la
première Viviane serait le sujet et la seconde
l’attribut.
Il n’y a qu’une seule Viviane. Seule, évidente.
Quels verbes Viviane enveloppe-t-elle ?
Lever les yeux, sourire, dire « Bonjour », se
tourner, se pencher, prendre le pain, se retourner,
peser, tendre le pain, dire « Au revoir »...
Je promène ma pensée du canale à la souche
brûlée. C’est un jardin qui marche.


XXV

Ou comment Viviane est Viviane échappe à la
grammaire.
Ou bien le test d’une tout autre grammaire.
On pourrait dire un test de solitude.
Au sens où Gertrude Stein écrit : « Je suis une
grammairienne. »
V est V
Quel autre mode de temps se met ici en place ?
Le temps de passer du canale à la souche brülée,
un battement d’ailes de papillon.
La forme d’un pli.
Suspens.
Samedi matin à Bordeaux. Cet après-midi je vais
à Fargues chercher du pain.


XXXIII

Le canale est au passé.
La souche brûlée est au passé.
Les objets sont des repères grammaticaux.
Sont cette sorte d’objets dont la grammaire a
besoin pour fabriquer des perspectives. Jardins à  la
française.
Nous n’avons pas vu Reykjavik, nous l’avons
montré.
Nous avons vu le canale, nous ne pouvons pas le
montrer.
Nous ne pouvons ni voir ni montrer le mot
manquant.
Ainsi prend fin, Viviane, le premier livre de ce
test de solitude.