21 de agosto de 2014

Fragmento do livro inédito "A canção da Terra", de Bruno Domingues Machado




foto: Charlie Engman


Duas da manhã; um tórax despertando, em apneia, despertando aflito de um sonho, no sofá, aflito deixando o sofá, de repente, aflito saindo da sala, com as pernas, adentrando a cozinha; aflito abrindo geladeira, com os braços, queimando o estômago; aflito queimação lambendo órgãos. Duas e dez da manhã, um tórax dividido, ermo adentro nada ao lado; voltando à sala ainda aflito; sentindo inflar: marsúpio oco no abdômen, pesar vazio entre os braços; não suportando o tórax reage: ejeta um braço, larga-o de lado; e vai ao banheiro um pouco mais leve. Duas e trinta da manhã, indo pro quarto pra cama pro outro o tórax e as pernas sem os braços agora ambos descartados; pois que aflito ainda; queimando. Não se contenta: deita e acopla a seu peito o dorso nu do outro, aconchego fetal. Dez minutos de aconchego fetal. Um segundo depois e já seu peito estalando, ardendo, as cavidades sugando: vira pro lado e escarra a pleura. Fatal divórcio tronco e pleura. (Restitui no entanto casamento peito e dorso aconchego fetal): nada acontece além de aflição. Dez minutos depois, nada e aflição.

Meia hora depois desperta do nada na cama assustado, se livra das pernas, agora só tórax e cabeça – e a mesma aflição queimando e pânico: última tentativa decúbito dorsal. (Nada (nada (...)).) Chuta o balde: larga tórax larga crânio larga quarto larga casa e larga o outro. Dividindo por zero.


 Bruno Domingues Machado vive no Rio de Janeiro desde que nasceu, há 30 anos. Formado em alemão e mestre em teoria literária pela UFRJ.