foto: Charlie Engman |
Duas da manhã;
um tórax despertando, em apneia, despertando aflito de um sonho, no sofá,
aflito deixando o sofá, de repente, aflito saindo da sala, com as pernas,
adentrando a cozinha; aflito abrindo geladeira, com os braços, queimando o
estômago; aflito queimação lambendo órgãos. Duas e dez da manhã, um tórax
dividido, ermo adentro nada ao lado; voltando à sala ainda aflito; sentindo
inflar: marsúpio oco no abdômen, pesar vazio entre os braços; não suportando o
tórax reage: ejeta um braço, larga-o de lado; e vai ao banheiro um pouco mais
leve. Duas e trinta da manhã, indo pro quarto pra cama pro outro o tórax e as
pernas sem os braços agora ambos descartados; pois que aflito ainda; queimando.
Não se contenta: deita e acopla a seu peito o dorso nu do outro, aconchego
fetal. Dez minutos de aconchego fetal. Um segundo depois e já seu peito
estalando, ardendo, as cavidades sugando: vira pro lado e escarra a pleura.
Fatal divórcio tronco e pleura. (Restitui no entanto casamento peito e dorso
aconchego fetal): nada acontece além de aflição. Dez minutos depois, nada e
aflição.
Meia hora depois
desperta do nada na cama assustado, se livra das pernas, agora só tórax e
cabeça – e a mesma aflição queimando e pânico: última tentativa decúbito
dorsal. (Nada (nada (...)).) Chuta o balde: larga tórax larga crânio larga
quarto larga casa e larga o outro. Dividindo por zero.
Bruno Domingues Machado vive no Rio de Janeiro desde que nasceu, há 30 anos. Formado em alemão e mestre em teoria literária pela UFRJ.