7 de agosto de 2014

poema inédito das "Odes a Maximin", de Ricardo Domeneck

Texto em que o poeta quer deitar Maximin¹ num diwan e cantá-lo feito um místico árabe, quando então se lembra da ascendência do divino rapaz.


Filho de berberes e alemães

graças à fuzarca abençoada

de corpos após a Queda

do Muro, me disseste

que foste o mais perfeito

bebê da maternidade

de tua mãe, a generosa.

Eu creio e sou devoto.

Não sei se necessário

um começo perfeito

para teu óbvio sucesso,

agora, no pleito.

Seria prudente comparar-te,

seguindo a antiga arte

dos meus colegas árabes,

tal Muhammad al-Nawaji

ou meu caro Abunuwasi,

e afirmar de gazela

as tuas pernas

tão firmes, estáveis?

Seria cometer uma gafe

etnográfica, se entoasse

em cantares dos cantares,

tal um árabe, a tua púbere

belezura berbere?

Tudo o que sei

é que, se não vens,

sou um mero magrelo

a atravessar feito camelo

o Magrebe.

Maximin, ademais,

nos ademanes

da minha nomenclatura

mais que científica

dos corpos do teu gênero,

dividindo rapazes

entre touros, leões e cavalos,

sempre te considero espécime

ideal das pujanças taurinas,

teu torso e teus ombros

que seriam edredão fácil

de tão largo

ainda que não mui macio,

sobre todo o meu corpo

raquítico e geriátrico,

como esses teus membros

de tronco de carvalho

que frequente

me deixam em estado

de Salix babylonica.

Tua inteligência de cão

de rua, a forma das mãos

com que nos manipulas

fácil pela lente do desejo

que distorce tudo, fazem-te

mais perigoso que o coice

de cavalo, a garra do leão

e todos os chifres de touro,

como este que carregas

nas tuas calças

largas de skatista.

És um tanto sádico.

Maximin, queria beber

apenas uma vez mais

teu suor e saliva e sêmen

de berbere

escorrendo de tua pele

de bebê.

Quando? Onde?

Ainda não te cansaste

daquela caverna escura?

Escalemos o pico nevado.

Vamos comer sushi

diante de um Fuji

falsificado de Hokusai

nos restaurantes

dos imigrantes

dessa tua cidade.

Sou meteco,

não grego,

são esparsos

os meus privilégios

e minhas bulbouretrais

já se cansam do estado,

como em Kanagawa,

das grandes ondas.

Devo gritar dos telhados

in a barbaric yawp

teu verdadeiro nome?

Confesso que ainda

não ouso a entrega

ao mundo de tua alcunha

oficial de batismo,

apenas este, Maximin,

pois temo tua concubina,

essa ninfeta com sangue

de valquíria, os genes

de nibelungos, o gênio

de Wagner.


¹Maximilian Kronberger, conhecido familiarmente como Maximin (15 de Abril de 1888 - 16 de abril de 1904) foi um jovem poeta alemão e uma figura importante no círculo literário do famoso editor e poeta Stefan George (o chamado George-Kreis). Morreu subitamente de meningite, um dia após o seu aniversário de 16 anos. Este fato leva George a exalçá-lo à condição divina, além de torná-lo nova inspiração para sua obra. O culto a Maximin passa a ser um elemento integrante das práticas de seu círculo literário. 33 poemas de Maximin foram publicados postumamente no livro Maximin: Ein Gedenkbuch, que permanece hoje como uma obra rara, sem tradução no Brasil.