10 textos de
NO FINAL SÃO OS CONTORNOS DO TEMPO
Tu deseo es que los objetos se mantengan em
silêncio
Aníbal Cristobo
um elefante
branco
se tudo fosse
a fotografia não
havia um
pequeno elefante branco
sobre o
criado mudo e a carta
não também
não era a carta
dentro do
segundo parágrafo
um único e
fresco borrão
ou um pingo
de chuva ou não
uma lágrima
isso
uma lágrima
era tudo o que tinha
que podia
até ser minha mas não
havia algo a
mais dentro
daquele
momento
tornando
como os pingos de chuva
de uma noite
inteira se tudo
fosse a
fotografia não é
possível
separar nada agora
se tudo
fosse a fotografia
enquanto
esfrego a ponta dos dedos
no pequeno
elefante branco
como uma lâmpada mágica
[o
que cresce de nós]
A
pessoa que mais amo
é
feita desse mirante,
dessa
época do ano,
do
perto desse instante.
Carlito
Azevedo
o
que cresce de nós
é
feito deste movimento da tarde
sobre
as nuvens
as
cores tornando as dores
impassíveis
dentro de mais um suspiro
um
fio de melancolia de braços abertos
de
nós o que cresce
é
o antissilêncio no peito
e
se calamos é para entender
todas
as vozes
e
se calamos é para aceitar
que
ainda existem
libertas
nas formas de afeto
o
que cresce de nós na distância
enquanto
escorre a lágrima
do
rosto da criança
que
exaurimos ou expulsamos
em
um pensamento triste
no final são os
contornos do tempo
com
palavras e as mãos atentas
às
linhas dos contornos contornos
que
há um momento alguns digamos
que
palavras e mãos se tornam iguais
com
sombras e marcas iguais até
que
ponto uma palavra pode pesar
deixar
seus contornos e pesar retas
paralelas
sem balanço algum
retas
somente retas
palavras
mãos atentas ou não
ao
peso que acessou às suas curvas
para
sentir nas nuances a veia
pulsante
nos contornos dos dias contornos
que
há um momento tênue momento
em
que as palavras são esvaziadas
como
as retas servem para encurtar
há
desses em que só o silêncio
consegue
relaxar as formas devagar
recolocar
cada curva em seu desalinho
cada
reta em descordo com o chegar
para
sentir a brisa pele dos contornos
23.11.2009
há
um segundo e meio
indo
e vindo
você
lendo Rakushisha
diluindo
os rompantes flutuantes
no
movimento dos olhos
enquanto
volto a faixa
trem
das cores: balanço
os dois lados da moeda
um
segundo e meio
uma
vida inteira
V
desprotegidos
há tempos
somente
estes dez segundos
cinco
para lembrar e cinco para esquecer
existe
nas entranhas um registro
que
insiste em bagunçar
dentro
deste pequeno caos individual
que
aproxima todas as dores
dez
segundos para viver
dividir
entre lembrar e esquecer
queria
perder alguns cantos
o
último assento do lado direito
do
elétrico Jerónimos – Cais de Sodré
a
fumaça das sardinhas como névoa
o
sopro que antecede o metrô
a
chuva no miradouro do Adamastor
queria
o que cresce nos mínimos
[a
sua voz esticada a porta]
a
sua voz esticada a porta
do
elevador fechando e a palavra
açúcar
– não esqueça do açúcar –
entre
o 9º e o PG lembro
das
ondas e do duplo do mar
daquele
que entende diante do poema
que
é preciso aprender a ficar submerso
volto
para o açúcar e o elevador sacode
abre
a porta – bom dia seu zé – será será
um
duplo de beleza despercebida
açúcar
e o sinal quebrado
os
carros abrindo e fechando a luz
e
não chove e não há uma folha
solta
voando só os prédios percebem
o
som da nossa voz sob nós
é preciso aprender a
fica submerso
é
um poema de Alberto Pucheu
submerso
no mar no trânsito
das
ondas até que sejas
lançado
de volta para a superfície
quando
era menino mergulhávamos
no
tanque da laje de Duda
um
minuto um e trinta
um
e cinquenta dois
o
ar nunca foi igual:
vivemos
para respirar
entre
o açúcar a folha
e
o poema de Pucheu
caminho
em silêncio entre
escrever
é ter acesso
é
aceitar a diferença que há
no
peso dos corpos sobre a terra
[que seja a sua
própria vela o poema]
que
seja a sua própria vela o poema:
quando
o cabo do revólver quebrou
a
janela do carro solfejava este verso
depois
fiquei na marginal
assombrado
com o delírio
do
impulso do vento que seja
a
sua própria vela o poema:
é
a dimensão que tateia o homem
a
empurrar uma arma tomar
um
carro bater num poste
no
dia seguinte não saber
se
foi sonho ou vida
o
gosto de sangue na boca
e
o que se repete pede
pede
pele
como
um abraço traduz
o
amor é mais a parte
que
ainda não compreendemos
[a
Geni do Chico como um pêndulo]
a
Geni do Chico como um pêndulo
a
imagem muda para o mar
ela
continua como as ondas
que
recomeçam sem fim
mas
ainda carrega um leve
regalo
de beleza crua
sangrando
sem perder
a
paz repugnada na fome
do
mundo há uma Geni
inflamando
o mistério
entre
generais e gerânios
acho
que essa é a melhor
definição
deste amor
[depois
de recitar sobre o cânion]
depois
de recitar sobre o cânion
que
há na moldura do espelho
ria
sem parar ria
água
por água imensidão
que
existe em desdenhar
da
própria dor colocar
um
jarro de flores sobre a mesa
passou
o dedo lambido na sobrancelha
ajeitou
os calcanhares seu tango
sempre
foi a melhor parte
dos
dias a melhor
façamos
assim – essa voz
uma
prosa poética ou
um
poema em prosa ou
a
chave de casa a mesa
deixamos
de agradecer não
havia
mais recados na porta da geladeira
o
toque acontecia nas mensagens
pelo
celular entre um café e outro
foi
o que descobrimos um tempo depois
quando
Caetano cantou Surucucu Paloma
o
uivo machucou uma certeza cega instalada
há
tempos é quase nada quando Caetano
soprou
a miséria pesou certa
quando
o suor quedou em força
estávamos
os dois prontos
[a
piaçava empurrando]
a
piaçava empurrando
os
confetes molhados
sobre
o azulejo
no
movimento dos braços
a
alegria de ontem inofensiva
como
as bitucas de cigarro
você
me disse certa vez
que
o amor é reconhecido
como
uma voz no escuro
os
pés de lá para cá não dançam
perseguem
os restos da comemoração
que
não importa não chega
o
que há de ser comemorado
amanhecido
no domingo
eu
que nunca quis vender
a
razão para o coração
ainda
temo a banalização
do
amor na sala de estar
depois
do lixo reunido
cadeiras
e mesas sobrepostas
as
janelas e portas fechadas
na
noite sempre anterior
a
vida também é uma festa
tal
como nas pedreiras
o
suor e o canto temperam
este
fio de sol que rasga o céu
e
há dias em que o sorriso existe
enquanto
aceitávamos
as
curvas das imperfeições
maturávamos
o abraço
e
o olhar para a casa simples
aos
pés de um rio que não cessa
para
o que se coloca a sobrar:
que
observasse as borboletas
borboletas
Tiago D. Oliveira, estudou Letras na
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e na Universidade Nova de Lisboa (UNL). Em
2014 lançou o livro de poemas, Distraído,
pela Editora Pinaúna, no Brasil, o primeiro solo. Em 2016, saiu o Debaixo do Vazio, pela Editora Córrego.
Tem poemas publicados em algumas revistas e jornais especializados no Brasil e
em Portugal, como também em algumas antologias.
imagem Maess