Ó
Grande Semeador,
Ó
Grande Semeador de Mistérios — o mesmo é dizer —,
Ó
Grande Semeador, —
O
mesmo é não dizer uma só palavra,
Opera,
O
Vosso Verso. Êxodo 20, versículos. E sereis salvo.
O Sapientia!
O Adonay!
O Radix Jesse!
O Clavis David!
O Oriens!
O Rex Gentium!
O Emmanuel
Mas nenhum disse, nem podia
dizer:
Ó Filho!
Salvo
aquele a quem
O
O
O
Jesus,
33,
1
14 14 4 11 7 6 9 8 10 10 5 13 2 3 15,
Vosso
Nome. Exultai!
YHWH:
יה-וה
Por
mais de seis mil vezes tocado.
Por todas as cifras tocadas.
II
Nem
todos os Adonais,
Nem
todos os ancestrais deste Deus,
Nem
todos os Filhos originais em Vosso cerne ou carne.
Antes de Vós
Caos,
Chronos,
Éter,
Nix,
Physis,
Gaia.
Escrevi
para eles as grandezas da Minha lei;
Mas
isso é para eles como coisa estranha.
Inscrições, Oséias, 8:12.
***
Originais
o Eixo e o Espírito,
Originais
o Imo, o Interior, o Meio.
E
da Medula o cimo de uma frágil existência.
Mas
sois capaz de estender o Espírito
Até
quando? Sois
Até
que ponto tenaz para fazer do Interior o Imo
De
onde a carne sangra?
Da
noite que ainda cinge os corpos,
Da
noite que a Ideia de noite perdura a beber,
Da
noite em que o Sonho é sempre três vezes o prelúdio de um Sonho.
Nesta
Noite — inequívoca —, nesta reiterada força,
Não
de ínfimo, mas íntimo,
De
muito profundo, interno, Negro, mas não íntegro,
Nesta
Noite absurda em que nem o ventre de Nix pode supor o Não de todas as faltas,
O
reverso do Grande Mistério, do âmago físico das entranhas da Noite.
E
Vós, por mais de seis mil vezes tocado,
Infértil,
supurando o inaudito YHWH em seu vir-a-ser macerado.
Nas
entranhas físicas do âmago da Noite — e em todas as suas atribuições secundárias —,
Nas
negras entranhas de Nix, o fervilhar em mênstruos
Do
que poderia ter sido e não foi.
Sonha
seus Sonhos enquanto desfila em veste Negra,
Deusa
da Morte,
E
sonhar, por isso, seria também Deus.
III
Ó
Grande Semeador,
Onde
estais?
Ó
Grande Semeador,
Onde
estais quando a Noite toma forma e transtorna o seu porvir?
Ó
Grande Semeador,
Onde
estais quando o Seio da Noite punge este Filho?
Onde,
quando o Ventre da Noite se abre e envolve este Filho em seus veios?
Ei-la,
Noite intransponível,
Ainda
sob o céu imenso, conquanto impuro,
Sob
o mudo negror do espaço impenetrável,
Tendo
todas as necessidades do mundo em torno,
A
espessura dos seus gestos de areia,
O
contorno próximo e palpável da areia.
Eis
um cenário sem estrelas, só palavras no horror de sua pronúncia.
Precipício
da pronúncia, poucos passos adiante.
Extirpado
útero, istmo de Nenhures, Areia novamente —
Rotas.
Apesar
de tudo:
O Domine, libera animam meam.
IV
Lá
está também a melancolia da Noite, a Negra carne da Noite,
Com
sua frouxa razão a encobrir o infinito, Sonho de grandes mares.
Paira
a Dúvida, como uma Ave, neste céu imenso de mudo negror,
Ave
de esplendor radiante por toda a extensão de grandes mares.
A
Imagem recorrente clama da Noite ávida o que foi antes Sombra
Inclinada
no sentido da Luz, Sombra ante o Sonho hostil de grandes mares.
Palavra
aprisionada em desvario intenso de cômodos sem janelas, Albatroz,
Mônadas
tristes na ferocidade de pássaro a forjar seu voo em grandes mares.
As Noites se fixam nos olhos daquela que dita a Noite,
nos lábios: feroz e eternal,
Imanente,
sempiterna qual distâncias na melancolia de grandes mares.
Grandes mares de eternidade difusa,
Grandes mares de Nadas e nadas,
Grandes mares remotos de toda Memória,
Grandes mares repartidos e nunca plenamente
navegados,
Grandes mares da Ideia, por tantos Aedos
cantados,
Grandes mares dos Ídolos, das Histórias, das
Farsas.
***
Em
vossa Presença, qualquer Idílio seria pouco,
Ó
Grande Semeador!
Ó
Grande Semeador,
Sempre
a tantos misturado,
Por
que mereceríeis mais?
Por
quê, se de vosso Verbo este Filho recolhe todas as cinzas?
Por
quê, se de vossas Cinzas nenhum Corpo,
Somente
as sílabas do Corpo pronunciado.
***
Vossas
mãos não são leves,
Ó
Grande Semeador.
Carregais
o granizo negro da melancolia pelos campos,
A
profunda tristeza de Ceres sem quaisquer sementes.
Nunca
a encontrais em Vossa busca, pois buscais.
Somente
lançais as sementes, qual Verbo de Pai que vos lega o Nome.
Dizeis
palavras simples com a Vossa promessa, displicentemente,
E
Vossas palavras não dizem nada, YHWH, nada mais do que são.
V
Sob
o Sol de todos os Sonhos,
Sob
o Sonho primordial,
Dormis.
Dormis,
Orfeu, Deus tardio,
Que
Ártemis nenhuma conheceis.
Thiago Ponce de Moraes é poeta e tradutor.
Atualmente, cursa doutorado em Literatura Comparada na UFF — com pesquisa sobre
as obras de João Cabral de Melo Neto e Joan Miró — e atua como professor no
IFRJ. Publicou os livros de poemas Imp.
(Caetés, 2006) e De gestos lassos ou
nenhuns (Lumme Editor, 2010), além do livro de ensaios Remos e Versões (Multifoco, 2012). E-mail: poncedemoraes@gmail.com.