26 de junho de 2014

Isto não é uma resenha ou notas soltas sobre o espetáculo 'Tira meu fôlego', de Elisa Ohtake

Por Marcelo Ariel






Será possível chamar  isto de viagem ao redor dos atos. Stendhal fala em ' cristalização', cristais grudando  no corpo por causa do suór criaram uma metáfora objetiva , as canções ´preenchendo tudo e depois indo embora, exatamente como o amor. Goethe que aos 70 anos se apaixonou por uma jovem de 17 anos poderia ter dito que  '  isso é algo inferior a fotossíntese que tentamos fazer utilizando o fogo no lugar do Sol, e ter tentado é este pequeno triunfo trágico de um fracasso que num determinado momento evocou algum sentido para o entusiasmo' , a pimenta  é uma precisa evocação do fogo, o modo como as metáforas como a antiga e mais certeira interpretação do zodíaco se conectam ao corpo, criando fios de expansão através de uma evocação do imaginário, talvez a paixão não existisse sem o trabalho de Sísifo da imaginação, a ligação com o imaginário mítico é mais do que óbvia, a flecha dos ìndios nas mãos de um querubim, o zodíaco é um cosmograma que representa o corpo tomado por uma certa paixão pelos astros, esse movimento que o não-ser  das plantas faz na direção do Sol, percebi o mesmo movimento no interior de um dos dancarinos, houve uma evocação de uma queda amorosa em uma performance de Ana Mendieta durante o ato de Elisa Ohtake, o corpo como num zodíaco invertido é evocado pela  palavra, este uso da palavra percebo é exatamente o oposto do uso que fazemos dela na internet,  Tira meu fôlego parece afirmar que existe mesmo uma dimensão  imanente para a vitalidade porque existe uma dimensão imanente para o corpo, mas  essa palavra    ali tem o mesmo sentido que Beuys dava para a palavra energia. Os dancarinos compreenderam que se algumas frases apontam para o distanciamento irônico, existe um descompasso entre o que o olhar diz e o que ele dizem, que parece ser o grande trunfo de  ' Tira meu fôlego' . Sheila Canevacci por exemplo joga com o descompasso entre nosso esquematismo e a ausência desse esquematismo na natureza, a paixão como o modo de se relacionar com o animal como um animal e não com os truques que escondem o fracasso da mímese. Não sei porque fiz uma associação inconsciente entre o ato de Elisa e uma cena do Império dos sentidos de Nagisa Oshima dentro do Carmem  de Carlos Saura.
Ah, a enorme importância das perguntas do encarte que vou reproduzir nesta espécie de Passagens sintéticas em torno do jogo proposto por ' Tira meu fôlego' , vou tentar dialogar com as questões propostas:



" (....) mas como discutir a paixão radicalmente se o capitalismo justamente captura pelo culto das emoções totais, pela exploração intensa das sensações sensacionais, pelo tremor, pelo frescor  ?  Em um diálogo pouco conhecido ' Parmênides' Platão-Sócrates trata do um, das possibilidades de diálogo e fusão do um, dos sentidos da unicidade, Platão-Sócrates que jamais significaria Platão=Sócrates comenta que a unicidade se movimenta em estados de expansão que a princípio negam o um e que  ao dizermos que duas coisas estão ali poderíamos afirmar também que não estão pois é o um que está ali duas vezes tornando estas coisas também não-coisas no sentido de sua singularidade oculta.  O capitalismo está no corpo como uma projeção que parece capturar a expansão por fora mas existe um  fato negado , ele jamais captura  os movimentos sutis da expansão do um por dentro, é óbvio para mim que a  morte seria o ponto de partida desta discussão, a morte do eu principalmente , pois o não-eu  é um duplo movimento  de expansão do um. Para chegarmos ao cerne desse modo de discutir teríamos de escrever uma critica da razão mistica contra a metafísica do corpo.   Se a paixão nasce na imaginação, destruindo a imaginação, destruímos a expansão por fora das capturas promovidas pelo Capital?