Imagem de Gil Vicente
FONTES
estou sentado no solo do sofrimento
longe das harpas do
sexo, das quatro fases do fogo
e cavo para ver
estou sentado de costas
com as mãos ulceradas, buscando
o coração da
Flor
(o branco
nome dos
entes)
que bate na
boca
de Deus
estou como Borges
no escuro,
tateando
hipóteses da
obra, sentindo
a mitológica fala
que agarro e
arrasto
para luz:
raiz
da linguagem
que o ar áudil
esfaz
VIA ÁPIA
com o candelabro da boca encontro um caminho: túnel adunco sob a
dor
elevo
acima
do
cérebro,
acima
do
sentimento
as
velas da Língua
e miro um fim
afundo
o
foco da fala
como
se falar cortasse
os
pulsos do escuro
e
o
sangue
vazando no
solo
revelasse
essa
rota
absurda
e sacra
que
agora piso
PLACA NO CÁRCERE DA PÁGINA
aqui morreram os gênios
e escultores da espécie
aqui deixaram unhas, linho com sangue, fedor
de lágrimas
rascando
inutilmente
a
inteligência
contra o
nada
pois árido é o cálcio
e mortal o mármore
que nenhuma palavra
(nem mesmo: DEUS)
entalha
ECOS
I
o verso: negra
pedra, quebra
o silêncio: vã
mordaça de
estilhaços
que o
encerra
(ou exalta)
um segundo
após o impacto
II
a página:
a página:
breve
arena
(ou tenro
tálamo)
em que se
invadem
e
dil-atam
o vazio
e as
palavras
III
a leitura: rubro
gesto de
audir fogo
polir ecos
em abismos
caçar febres
em contrários
— alçar aves —
ENVELHECES
a beleza du
ela
contra o
tempo
des
fere o
fascínio
de brilhos e
linhas
jo
vens
golpes
no pétreo
elmo hábil
do espelho
que re
vida
com
horas
e re
flexos
do efêmero
suas
rugas
na carne
e a
va
idade
na alma
le
tais
chagas
só teus metais resistirão
a prata
aflante
das
folhas
o paládio
dos pássaros
o irídio
dos lírios
ouros
imóveis:
anoitecer
e tudo
estará desfeito
dos panos tirânicos
do corpo
aos isopores
da fala, vidros
do sentimento
só teus metais
ressurgirão
sobre mãos
pasmas
entre 4 e
6
da tarde
(como hoje)
num
parque
porque dura é a beleza
de existir
OS ÁTILAS
até o fim
seremos hunos,
caçando
a presa do sexo
(o
terno
antílope
do afeto
sequer
interessa)
por estepes de ouro
tundras de prata e
de cetros
cavalgamos,
saqueadores
a
pisar (oh prazer!)
o
crânio flébil das flores
somos os broncos que
nas grutas
sob espessa neblina
de frituras,
nicotina
ao recordar o Eterno
(porque cansados
ou ébrios)
correm
ao totem da web
ou
adoram dvds
que
amenizam o tédio
iluminado, talvez
algum de nós vira
místico, monge, poeta
— um
dentre milhões! —
então,
maior que a chibata
e
melhor que o desprezo
a
incompreensão
é o
castigo
com
que o banimos
até o fim mijaremos
no cadáver das
preces
e diarreias poremos
na goela dos versos
para
nós um arbusto
será
sempre um arbusto
uma
pedra uma pedra
a mulher a mulher
não
importa o crepúsculo
o
perfil níveo da árvore
um voo
vermelho
de
pássaro
lua
e estrelas, para nós
são
referências geográficas
só tememos os olhos
de nossas crianças
por isso violamos
sua carne tão cedo:
que
se pervertam
que
cresçam
a
pureza
é
o
inimigo
só vencemos
fraquezas
com delícias e
vícios
— eis o segredo
da rudeza perpétua —
até o fim
seremos átilas
A SOLIDÃO BALANÇA
TURÍBULOS AO ÍDOLO DO NADA
na estufa do
status
as papoulas pálidas
do nosso fracasso
fábulas de
força e f(l)ama, amor e
ouro
somos as moscas sugando
até o último tutano
no osso da esperança
somos a agulha imantada pelo negro — o
oeste incontornável
no mapa pneumático
somos um largo cravo
enfiado no olho
misericordioso de Deus
CURRICULUM
especialista em inferno
mais
que um
Dante hodierno
vivi
o que ele
escreveu
Ph.D. em derrota
Doutor
em artes
idiotas:
desilusão amorosa
design de sonho
controle de raiva
protagonista em
películas
trágicas e dramáticas
eis meus trinta e nove
oscars
e o memorável
prêmio Nobel
pelo trabalho
— involuntário —
no Auschwitz
da solidão
NOVO AMOR
I
apesar dos
chacais, aqui estás
disposto a
mais
essa
aventura
(núbil
ou
inútil)
em
busca
do
Absoluto
tu não aprendes com a dor
é teu defeito
o peito
repete
o furto
e o
fatigado
fígado
-casmurro ao
cárcere-
gladia
com a harpia
da
solidão
aqui estás
no fracasso de tudo
com frustração e furor
asco e pânico
e crises de cólera comprovam
que não és um anjo
II
héctico pulsar
de
diamantes
que
revigoras
quando
avanças
ampla
unidade
de
relâmpagos,
fusão
de
infâncias, cura
das
pústulas espúrias, ocaso
das
culpas, enlace
de
exílios, riso cúmplice
sono unívoco
isso
esperas da Verdade
e seu milagre
pois não aprendes
com a dor:
amas sempre
adeus, fosso
escuro
tumba de mundos
chão de tarântulas
adeus, minha
ira meu fracasso
hircus foetidum complexos
ócio pânico fantasmas
traições élan do nada
adeus
junto aos cabos do amor
e às cordas
da aurora
eu subo ao círculo azul
do recomeço
(uma face me iça)
PHANIA
e se a luz saísse da flora de opalas
em procissão floril
de águas e águias
subindo e descendo
montanhas mornas
à frente viria
nuamente impávida
tua boca escarlate
RELÂMPAGO DE JASPE
I
o corpo
rosa da mulher
(do rosto
morno
aos pés em flash
com o
ondulado
ventre
elétrico
e o púbis
nu: os volts
em vórtice)
ao tato em transe
impõe seu choque
II
longo estrondo
de sonhos
mitos
e símbolos
que à treva do
homem
revela o
infinito
ÊXTASE
tambores
de flores
nos poros
tornados
de astros
nos olhos
um surto
de plumas
e espasmos
rubis
abrindo
na alma
ADRIANO WINTTER — Nasceu e reside
em Porto Alegre, Rio Grande do Sul / Brasil. Foi monge. Venceu o Femup 2010 e
integrou sua antologia. Tem outras coletâneas publicadas nas revistas
internacionais: Sibila (Estados
Unidos — Brasil), Separata
(México), Triplov
(Portugal), Experimenta
(Argentina), Cinosargo
(Chile), e nas revistas brasileiras: Germina,
Aliás, Eutomia, Mallarmargens, Ellenismos, 7Faces e Babel, além de
poemas nos jornais Relevo, Poesia Viva e na sèrieAlfa (Espanha).
E-mail: adriano.wintter@gmail.com