Por Marcelo Ariel
Manifesto da Recusa
Antes uma nota:
Conheço o termo correto ‘ Saraus’ mas prefiro evitá-lo, como João Guimarães
Rosa bem ensina, cada escritor que crie sua própria ortografia estou na verdade
"criando " a palavra ' Sarais' como uma forma irônica de grafia do
plural da palavra ' Saraus' que é muito
feia e não serve para apontar no texto a ligação com a frase ' se curem' que é
o que ironicamente estou tentando fazer, é um erro com um propósito.
Constato que as centenas de Sarais espalhados pelo Brasil
e em sua maioria concentrados no Estado de São Paulo não conseguem cumprir uma
destinação anunciada pela energia da recusa que sempre caracterizou a obravida
dos autores que viveram a vida como um poema, Lautréamont, Rimbaud,
Nerval, Blake, Whitman e outros...Nestes sarais , a palavra Sarau por sua
profunda ligação com a Sociedade do espetáculo, me enoja, Neste saraus de hoje
se pratica apenas o marketing pessoal dos poetas, o outro é elidido e o que
presenciei até hoje foi sempre uma redução fenomenológica do outro e do
poema-em-si, devem haver exceções que desconheço, mas a regra tem sido esta, é
claro que os poderes constítuidos incentivam de pronto os sarais porque eles se adequam em sua totalidade
ao culto da personalidade praticado pelos detentores deste mesmo poder político, me
pergunto se todo este espaço de incentivo para os sarais não faz parte de um projeto de aprimoramento da
sociedade de controle através da simulação de aceitação dos "poetas de
Sarau" e sempre possível a cooptação destes agentes de si mesmos e da
pretensa importância de suas obras dentro de uma tradição que roça no
beletrismo disfarçado de decomposição e protesto, muitosse aproximam saudavelmente do léxico dos
rappers e fazem um discurso de ruptura que nunca se realiza ou se realizará na
prática, ruptura que nem os rappers fazem,talvez os loucos, índios e deslocados
socialmente , a eles é permitido viver esta ruptura mas não ter uma voz, exceções
existem , mas são tratadas como ' especiais' e isoladas num campo de
estranhamento louvado como valor e logo depois são excluídos ou economicamente
boicotados, para eles poderia se abrir um campo de manifestações maior do que todos os sarais juntos, sei muito bem do que estou falando por experiência, isto não é um
discurso de contradição. Obviamente não proponho o fim das reuniões de leituras de poemas,
apenas desejo que elas aconteçam em zonas autônomas e longe dos estratagemas da
sociedade de controle. Por que não a poesia como um elemento de controle social
dos poderes? Por que não combatermos o culto da personalidade que já matou
vários poemas e poetas ? Os grandes autores de poemas relevantes da antiguidade negaram o culto
da personalidade! A vaidade , sabemos é difícil de vencer, mas podemos tomar
partido do Outro, recusar a visão funcional do ' poeta' inclusive como '
profissão' , talvez a função do poeta seja desaparecer dentro do poema e a do
poema seja a de se fundir na malha humana como a cor em certos bancos de corais
no fundo do mar. Por que não colocar aposentar para sempre a palavra ' Sarau' e
chamarmos os encontros de leitura de poemas de ' Atos contra o governo'. Poetas
de todo mundo, recusem o ' Poeta' para viver o Poema!
Imagem: Jean Michel Basquiat
Manifesto
Sabiá
Conversando com
um amigo sabiá, rimos muito das reclamações que fizeram de seus cantos. Ele
disse que os cantos que mais incomodam são os quânticos desatrofiantes, que
interiorizados oniricamente na cidade geram como primeira reação uma imediata
indignação com os véus cegantes da pseudo exterioridade, e tem como
consequência um acordar-revolta contra o próprio canto-reza (ele nomeou esse
processo como ornitoclash anticósmico). Disse ainda que repelimos os cantos dos
sabiás e dos sábios com a mesma ignorância que destruímos as abelhas humanas,
atordoados e anulados pela pluriesquizofonia congelante e assassina do irreal.
Tive de concordar, e rimos ainda mais. Quando lhe perguntei sobre os limites da
desrazão, ele voou.
Depois me deitei
no sofá e sonhei que ele não havia voado e havia começado uma convenção
telepática de Pássaros do mundo inteiro e o Sabiá pousou em cima da lâmpada da
sala e começou um canto-diálogo com o ‘Ele’ que é o eu dos sonhos:
Sabiá: – Nós
somos o mesmo pássaro, mas de todas as formas de asa o seu olho é a mais
bonita, a asa fechada no circulo, com todos estes fios finos.
Ele: –
Supercordas para receber as imagens do cosmos disfarçada.
Sabiá:- O canto
do olho cria todos os sóis, você é um Sabiá diferente dos outros.
Ele:- Eu sou um
Sabiá, porque é o que todos nós dizemos quando encontramos vocês, definição é o
assassinato pela nomeação.
Sabiá:- Sim,
vocês cantam isso com o olho-boca, mas a porta , o que vocês chamam de bico em
mim, é em outro lugar na cabeça e é também um ovo que vocês quebram por
dentro.
Ele:- O cérebro,
o nome do nosso bico é cérebro.
Sabiá:- Então a
flutuação dos raios é para dentro dos fios, aqui o ar é delicado e podemos
conversar, mas meus eus estão chamando e tenho de voar para fora do seu dentro.
Eu acordo e não
consigo mais pensar em outra coisa a não ser na origem da palavra ‘
Sábio’ e na ligação entre o canto dos Sabiás e o canto quântico dos
Pré-Socráticos.
O poema-problema
rejeito todas as
projeções , de todas as versões de mim gosto da que o invisível permite que se
manifeste, a flor negra dentro da matéria escura, existe mesmo uma realidade
que as desesperadas vítimas do culto da felicidade obrigatória
jamais perceberão, este culto é a magia negra que resistiu ao enterro de um
século que sofre de catalepsia, o século XX, a energia da recusa não deve ser
confundida com a resistência, resistir é projetar a força que deveria ser usada
para criar uma nova instância e uma nova temporalidade, poetas são sadhus
que renunciam justamente a todas as projeções e capas, a morte (
principalmente a morte voluntária )dos poetas se dá pela aceitação de projeções
da vida que nega o direito ao ' wu wei' , pelo wu wei e contra o '
resistir' , não existe nenhum sistema , nem o Solar, a projeção de
sistemas é a primeira a ser dissolvida pela névoa-nada. Não existe nenhum
sistema mágico, a magia rejeita os esquemas para acordar o A-ser no reino das
visões da natureza