31 de março de 2014

São Paulo Chicago ou a falência de um símbolo não significa o fim da opressão representada por ele



Por Marcelo Ariel

São Paulo Chicago , espetáculo escrito e dirigido por  Francisco Carlos em cartaz na SP Escola de Teatro  é  um espetáculo  de rara e singular  coragem. É uma  obra da literatura dramática que tem como tema , a decomposição de um símbolo histórico  identitário que  é a base  genesíaca de um processo que colocou a cidade de São Paulo como um elemento central de edição do Brasil. São Paulo edita o Brasil , fato que me foi apontado pela historiadora Jurema Paes e por outros importantes pesquisadores  e estamos até os dias de hoje sofrendo os efeitos disto. A peça parte de uma pesquisa aberta ao público que ocorreu em 2013, através da realização de um ciclo de conferências que eram parte da residência de Francisco Carlos na SP Escola de Teatro, nestas conferências foram ouvidos vários estudiosos, sociólogos e historiadores e os temas giravam em torno das questões do índio e do bandeirante, Francisco Carlos é um dos poucos teatrólogos brasileiros que  utilizam uma extensa e criteriosa pesquisa como vetor preponderante da estética e tessitura de seus espetáculos e a pesquisa que resultou nesta peça e nas outras  de uma série de peças tendo o tema do Bandeirante e seus signos e símbolos de um poder em decomposição  foi de um rigor  inédito, mas isso não significa de que  São Paulo Chicago seja uma peça de tese como alguns espetáculos dos anos 60 que são vulgarmente conhecidos como peças políticas e na verdade se filiam a um tipo de propaganda  prepondeantemente  de visão marxista ou  de esquerda, leia-se filiada a cartilhas  que reduzem a visão do mundo a uma dicotomia , esquerda x direita, operários x patrões , uma coisa que não corresponde ao alto grau de complexidade do mundo atual. Em São Paulo Chicago como na tetralogia Jaguar Cibernético , Francisco Carlos coloca em cena uma polifonia de vozes que se entrecruzam para elaborar uma decomposição, poderíamos até falar em  uma literatura dramatúrgica de decomposição e também de desconstrução inaugurada no Brasil por este dramaturgo e encenador do Amazonas, algo similar ao que Heiner Muller fez com o repertório clássico na Alemanha, mas a desconstrução-decomposição de Francisco Carlos é bem mais profunda e não está ligada a uma resistência ao cânone dramatúrgico como em Muller, que se utilizava como seu mestre Brecht da reescritura de recomposição e não de uma transescritura de decomposição, Brecht e Muller iam beber direto na fonte de clássicos como Shakespeare e outros e Francisco Carlos  vai um pouco mais além e utiliza a matriz dos fatos históricos à luz de uma simbologia e  de uma mitopoética em um método analítico e estrutural que só encontra paralelos em procedimentos utilizados por Jean Luc Godard na construção de seus filmes-ensaio ou em Levi-Strauss em suas análises de Max Ernest.
Os raros e felizes espectadores de São Paulo Chicago estarão diante de um acontecimento único na história do teatro brasileiro como o foi O Balcão de Genet realizado por Victor Garcia, peça que  em sua criatividade formal estava embasada em uma série de referências  da história da arte, o Balcão citava O Grande Vidro de Duchamp , o que era desconstrução formal e literal do teatro em Garcia-Genet é desconstrução de um vazio histórico dentro do vazio cenográfico em São Paulo  Chicago, nisto podemos dizer que o vazio da cenografia de São Paulo Chicago não é um vazio porque o próprio corpo dos atores  constrói uma cenografia que dialoga com  uma inversão da temática dos  quadros de Edward Hooper  dentro da simbologia de seus quadros, inversão porque a solidão  dos personagens-fantasmas da peça é um intrincado jogo de espelhos onde um corpo é o espelho de sua voz e de outras vozes, cada corpo contem ali centenas de outros fantasmas, inclui também a platéia entre seus fantasmas e este é um dos trunfos sutis desta peça singular.
A falência dos símbolos não significa necessariamente o fim da opressão representada por estes mesmos símbolos, esta é uma das reflexões que a peça levanta.  A denúncia de algumas mentiras históricas também está entre os trunfos do espetáculo, como a existência de uma linhagem de famílias  descendentes de nobres em São Paulo, as chamadas famílias quatrocentonas, Francisco Carlos amplia a voz solitária de rigorosas pesquisas que anunciam a necessidade urgente de desconstrução da nossa atual realidade que precisa ser decompostas em uma chave poética que torne impossível  que  massacres e genocídios incalculáveis possam ser patrocinados e escondidos dentro de uma  mentira. Massacres, genocídos e mentiras que continuam sendo patrocinados e referendados por um poder cada vez mais assustado com a iminência da verdade.



SÃO PAULO CHICAGO JAM SESSION CÊNICA de Francisco Carlos em cartaz do dia 22 de março a 8 de junho, aos sábados e domingos - as 20hs - na SP-ESCOLA DE TEATRO - PRAÇA ROOSEVELT, 210 • CENTRO -SP\SP Com  André Ascarelli, André Hendgs, Day Porto, Eloisa Leão, Fabiana Serroni, Fernando Delabio, Luciana Canton, Paulo Gaeta, Ricardo Nash, Roberto Borenstein, Winlson Aguiar. Ficha Técnica : Texto, Encenação e Direção Geral - Francisco Carlos, Diretor de Movimento – Wilson Aguiar, Diretor e Operador de Som- Kleber Claudio Nigro, Assistentes de Direção: Rachel Seixas e Fernando Delabio, Assessoria de Imprensa -Adriana Monteiro Coordenador de Temporada – Antônio Franco