Por Marcelo Ariel
São Paulo Chicago
, espetáculo escrito e dirigido por
Francisco Carlos em cartaz na SP Escola de Teatro é um espetáculo de rara
e singular coragem. É uma obra da
literatura dramática que tem como tema , a decomposição de um símbolo histórico
identitário que é a base
genesíaca de um processo que colocou a cidade de São Paulo como um
elemento central de edição do Brasil. São Paulo edita o Brasil , fato que me
foi apontado pela historiadora Jurema Paes e por outros importantes
pesquisadores e estamos até os dias de
hoje sofrendo os efeitos disto. A peça parte de uma pesquisa aberta ao público
que ocorreu em 2013, através da realização de um ciclo de conferências que eram
parte da residência de Francisco Carlos na SP Escola de Teatro, nestas
conferências foram ouvidos vários estudiosos, sociólogos e historiadores e os
temas giravam em torno das questões do índio e do bandeirante, Francisco Carlos
é um dos poucos teatrólogos brasileiros que
utilizam uma extensa e criteriosa pesquisa como vetor preponderante da
estética e tessitura de seus espetáculos e a pesquisa que resultou nesta peça e
nas outras de uma série de peças tendo o tema do Bandeirante e seus
signos e símbolos de um poder em decomposição
foi de um rigor inédito, mas isso não significa de que São Paulo Chicago seja uma peça de tese
como alguns espetáculos dos anos 60 que são vulgarmente conhecidos como peças
políticas e na verdade se filiam a um tipo de propaganda prepondeantemente de visão marxista
ou de esquerda, leia-se filiada a
cartilhas que reduzem a visão do mundo a
uma dicotomia , esquerda x direita, operários x patrões , uma coisa que não
corresponde ao alto grau de complexidade do mundo atual. Em São Paulo Chicago como na tetralogia Jaguar Cibernético , Francisco Carlos
coloca em cena uma polifonia de vozes que se entrecruzam para elaborar uma
decomposição, poderíamos até falar em uma literatura dramatúrgica de decomposição
e também de desconstrução inaugurada no Brasil por este dramaturgo e encenador do Amazonas, algo similar ao que Heiner Muller fez com o repertório clássico na Alemanha, mas a
desconstrução-decomposição de Francisco Carlos é bem mais profunda e não está
ligada a uma resistência ao cânone dramatúrgico como em Muller, que se
utilizava como seu mestre Brecht da reescritura de recomposição e não de uma
transescritura de decomposição, Brecht e Muller iam beber direto na fonte de
clássicos como Shakespeare e outros e Francisco Carlos vai um pouco mais além e utiliza a matriz dos fatos
históricos à luz de uma simbologia e de
uma mitopoética em um método analítico e estrutural que só encontra paralelos
em procedimentos utilizados por Jean Luc Godard na construção de seus
filmes-ensaio ou em Levi-Strauss em suas análises de Max Ernest.
Os raros e felizes espectadores de São Paulo Chicago estarão diante de um acontecimento único na
história do teatro brasileiro como o foi O
Balcão de Genet realizado por Victor Garcia, peça que em sua criatividade formal estava embasada em
uma série de referências da história da
arte, o Balcão citava O Grande Vidro de Duchamp , o que era
desconstrução formal e literal do teatro em Garcia-Genet é desconstrução de um
vazio histórico dentro do vazio cenográfico em São Paulo Chicago, nisto
podemos dizer que o vazio da cenografia de São
Paulo Chicago não é um vazio porque o próprio corpo dos atores constrói uma cenografia que dialoga com uma inversão da temática dos quadros de Edward Hooper dentro da simbologia de seus quadros,
inversão porque a solidão dos
personagens-fantasmas da peça é um intrincado jogo de espelhos onde um corpo é
o espelho de sua voz e de outras vozes, cada corpo contem ali centenas de
outros fantasmas, inclui também a platéia entre seus fantasmas e este é um dos
trunfos sutis desta peça singular.
A falência dos símbolos não significa necessariamente o fim
da opressão representada por estes mesmos símbolos, esta é uma das reflexões que
a peça levanta. A denúncia de algumas
mentiras históricas também está entre os trunfos do espetáculo, como a
existência de uma linhagem de famílias
descendentes de nobres em São Paulo, as chamadas famílias
quatrocentonas, Francisco Carlos amplia a voz solitária de rigorosas pesquisas
que anunciam a necessidade urgente de desconstrução da nossa atual realidade
que precisa ser decompostas em uma chave poética que torne impossível que
massacres e genocídios incalculáveis possam ser patrocinados e
escondidos dentro de uma mentira.
Massacres, genocídos e mentiras que continuam sendo patrocinados e referendados
por um poder cada vez mais assustado com a iminência da verdade.
SÃO PAULO CHICAGO JAM SESSION CÊNICA de Francisco Carlos em cartaz do dia 22 de março a 8 de
junho, aos sábados e domingos - as 20hs - na SP-ESCOLA DE TEATRO - PRAÇA
ROOSEVELT, 210 • CENTRO -SP\SP Com André Ascarelli, André Hendgs, Day Porto, Eloisa Leão, Fabiana Serroni,
Fernando Delabio, Luciana Canton, Paulo Gaeta, Ricardo Nash, Roberto Borenstein, Winlson Aguiar. Ficha Técnica : Texto, Encenação e Direção Geral - Francisco
Carlos, Diretor de Movimento – Wilson Aguiar, Diretor e Operador de Som- Kleber Claudio Nigro, Assistentes de Direção: Rachel Seixas e Fernando Delabio, Assessoria de Imprensa -Adriana Monteiro Coordenador de Temporada – Antônio Franco