Imagem de Stanislav Krawczyk
balada
para roque dalton
ao saber que você
foi morto nalgum canto
pouco antes de ver
os teus quarenta anos
como que executado
bem no dia das mães
(como ardia o champanhe
bem nos olhos da esquerda!)
besta eu me perguntei
se foi pela política
ou por mera loucura
do que chamamos vida
mas vamos e venhamos
não estava nos meus planos
supor que por suporem
na tua ERP
o teu envolvimento
(e quem o suporia
lá em 75?)
com agentes da CIA
os teus salvadorenhos
te encontrarão no fogo
talvez franzindo o cenho
no seu próprio naufrágio
(a maior ironia
vai na lei dos homônimos
pra morrer em guerrilha
por um tal villalobos)
lá vão quarenta anos
nem sei se responderam
se ao menos te acertaram
pelos motivos certos
seria essa loucura
(me diga agora roque)
a mera desta vida
ou sua pedra de toque?
email
numa garrafa
qnd bob kaufman chegar
numa torrente infernal de bebop&semba&suor de
incontaveis batuques no
[terreiro
dos secs.
o nada de uma espuma vai se abrir perante tudo
qnd bob kaufman chegar
ao meio dia esburacado das avs. a tarde morna a noite toda
ao som do coro infantil de todas as criancas trucidadas nos
milenios sob o pedal
[constante
das metralhadoras em mãos de serafins
entoarao let my people go usando nuvens como altofalantes
alguma parte perdida continuara
inevitavelmente perdida
qnd bob kaufman chegar
ja terei escrito este email&posto numa garrafa previamente
selada
soterrada pelas areias do pó dos esqueletos de tudo
qnd bob kaufman chegar
alguem se esquecera do seu relogio seu metronomo cardiaco
qnd bob kaufman chegar
o relogio
naturalmente batera mais um segundo
qnd bob kaufman chegar
torres&tremores
qnd bob kaufman chegar
dunas&dunas&dunas no asfalto
sem animais que expliquem nosso caos
qnd bob kaufman chegar
tlvz ngm perceba (tlvz ele n venha)
qnd bob kaufman chegar
um carnaval por onde as carnes mesmo valem se fara por baixo das
inundacoes
qnd bob kaufman chegar
oh o estilhaco de linguas&dentes na boca do lixo
qnd bob kaufman chegar
algns vintens atravessarao o atlantico numa jangada feita por ngm
qnd bob kaufman chegar
as ruinas abrirao
ah as
ruinas se abrirao
as ruinas abrirao seu sorriso consagrado as matas
invocação
para arvo pärt
teu corpo de geada e neve
teu corpo de geada e neve
teu corpo de geada e neve
arderá eu digo arderá
(até que morra a própria morte)
arderá de geada e neve
teu corpo de geada e neve
teu corpo de geada e neve
teu corpo de geada e neve
guilherme
gontijo flores (Brasília, 1984) é poeta, tradutor e professor de língua e
literatura latina na UFPR. Publicou
traduções de As janelas, seguidas de
poemas em prosa franceses, de Rainer Maria Rilke (2009, parceira com Bruno
D’Abruzzo), A anatomia da melancolia,
de Robert Burton (2011-2013, 4 vols., premiado pela APCA e pelo Jabuti), Elegias de Sexto Propércio (2014) e Paraíso reconquistado, de John Milton
(2014, tradução coletiva). Em 2013 lançou seu primeiro livro de poemas, brasa enganosa, e em 2014 fez o
poema-site Tróiades — remix para o
próximo milênio (www.troiades.com.br). É coeditor
do blog e revista escamandro (www.escamandro.wordpress.com).