Imagem de Eduardo
Berliner
I.
sem título I
as ondas seguem os sinais da lua
há um farol e ele não me guia
diante do mar penso
o que faria
se pudesse voltar
não volto
sigo ao sabor daquele mar
sem mapas
ou bússolas
mas
âncoras — essas não me deixam
olho da janela do carro
esquadro
a lua seguindo os meus passos
brincando com o mar
enquanto no céu da minha boca
mastigo as palavras do poema
que não foi
volto
saio
e penso que
a qualquer momento
uma palavra cairá
na minha cabeça
à sombra de
um escrito
um poema me provoca
desato.
espero dissipar a dor
procuro o chão
a potência de cada palavra
o chão inexiste
deixo que fique
sobrevivo
enquanto suspensão
o poema me atrai começos
memória na
garrafa
penso na mensagem que vem na garrafa
de uma ilha distante
ao redor da minha cama
presenças
despresenças
rondam os meus dias
guardados em memórias
espalhadas pela casa
a hora demora uma espera
acendo um cigarro
tomo um café
o corpo é só espera
as unhas roídas
os espaços no chão
II.
esboço I
escuto o som da cidade ao redor da minha cama
a alma sobressaltada sem asas
procura o voo instável
we have a
problems
não há trilhos
não há trilhas
o sonho acaba no meio do caminho
o sono perturbado
leve
sai de si
com o toque celular
um risco no tempo
em todo
lugar: os corpos
tiros cortam o céu
como raios em dia de tempestade
as balas perdidas
encontram os corpos
a força armada
promove a segurança
com escudos
gases
borracha
cassetetes
uniformes
inseguranças
a vigilância do dia
intranquiliza a noite
com a manchete na tevê
enquanto a mulata faceira
requebra um samba indigente
e uma cortina de fumaça densa
tenta encobrir as raízes escravocratas
nas vielas
os corpos encontram
as balas perdidas
e um silêncio sorridente
estampa o editorial
tudo é final
de longe me
olha o poema
cutuco a palavra com vara curta
ela desperta
vira poema
salta da tinta preta da caneta
do plasma
do led
do carvão
da pedra
espero em silêncio sincero
no breu
je suis un
étranger
III.
preparação
para aquarelas
penso na beleza do quadro
a tinta pincelada
o tom
o azul
o borrão
me preparo para a aquarela
insisto
esboço um esboço em forma de rabisco
rasgo a tela
um traço
uma linha
errática forma de começar
sem título II
na parede branca
uma possibilidade
um grito
uma tela sem começo
umas marcas de passado
uns rabiscos
e o som urbano
sou um outro na cidade
corpo dentro de outro corpo
um outro
esboços II
a tensão do fio do varal
o fio da navalha na carne
à espera dos olhos do leitor
devora o que está quarando
no varal
e a navalha à espera do pescoço
uma veia
a aorta
escorrem sangues
quando a carne é rasgada
dilacerada
lapidada para
ser o que se lê
lugares
distantes
a catástrofe da distância
são as estradas
os bits os bytes
os relógios
e não resolvem a incompletude
a ausência
atravesso a rua
a esquina está vazia
meus olhos submersos de cimento e maresia
desconhecem o lugar
qual lugar é esse de onde nunca se sai?
rasgo os mapas
— eles não me levam —
e continuo o exercício descontínuo da
distância
vinícius lordes é capixaba da
terra de sérgio sampaio. poeta. professor. doutorando em antropologia.