1 de fevereiro de 2015

“três movimentos para a distância”, inéditos de vinicius lordes



Imagem de Eduardo Berliner


I.


sem título I

as ondas seguem os sinais da lua

há um farol e ele não me guia
diante do mar penso
o que faria
se pudesse voltar

não volto

sigo ao sabor daquele mar
sem mapas
ou bússolas
mas
âncoras — essas não me deixam

olho da janela do carro
esquadro
a lua seguindo os meus passos
brincando com o mar
enquanto no céu da minha boca
mastigo as palavras do poema
que não foi

volto

saio
e penso que
a qualquer momento
uma palavra cairá
na minha cabeça


à sombra de um escrito

um poema me provoca
desato.
espero dissipar a dor
procuro o chão
a potência de cada palavra
o chão inexiste

deixo que fique
sobrevivo
enquanto suspensão

o poema me atrai começos


memória na garrafa

penso na mensagem que vem na garrafa
de uma ilha distante
ao redor da minha cama
presenças
despresenças
rondam os meus dias

guardados em memórias
espalhadas pela casa
a hora demora uma espera


acendo um cigarro
tomo um café
o corpo é só espera
as unhas roídas
os espaços no chão


II.


esboço I

escuto o som da cidade ao redor da minha cama
a alma sobressaltada sem asas
procura o voo instável
we have a problems
não há trilhos
não há trilhas
o sonho acaba no meio do caminho
o sono perturbado
leve
sai de si
com o toque celular

um risco no tempo


em todo lugar: os corpos

tiros cortam o céu
como raios em dia de tempestade
as balas perdidas
encontram os corpos

a força armada
promove a segurança
com escudos
gases
borracha
cassetetes
uniformes

inseguranças

a vigilância do dia
intranquiliza a noite
com a manchete na tevê

enquanto a mulata faceira
requebra um samba indigente
e uma cortina de fumaça densa
tenta encobrir as raízes escravocratas

nas vielas
os corpos encontram
as balas perdidas
e um silêncio sorridente
estampa o editorial

tudo é final


de longe me olha o poema

cutuco a palavra com vara curta
ela desperta
vira poema
salta da tinta preta da caneta

do plasma
do led
do carvão
da pedra

espero em silêncio sincero
no breu

je suis un étranger


III.


preparação para aquarelas

penso na beleza do quadro
a tinta pincelada

o tom
o azul
o borrão
me preparo para a aquarela
insisto

esboço um esboço em forma de rabisco
rasgo a tela
um traço
uma linha

errática forma de começar


sem título II

na parede branca
uma possibilidade
um grito
uma tela sem começo
umas marcas de passado
uns rabiscos
e o som urbano

sou um outro na cidade
corpo dentro de outro corpo

um outro


esboços II

a tensão do fio do varal

o fio da navalha na carne
à espera dos olhos do leitor
devora o que está quarando
no varal

e a navalha à espera do pescoço

uma veia
a aorta
escorrem sangues
quando a carne é rasgada
dilacerada
lapidada para
ser o que se lê


lugares distantes

a catástrofe da distância
            são as estradas
            os bits os bytes
            os relógios
e não resolvem a incompletude
a ausência

atravesso a rua
a esquina está vazia
meus olhos submersos de cimento e maresia

desconhecem o lugar
qual lugar é esse de onde nunca se sai?

rasgo os mapas

— eles não me levam —

e continuo o exercício descontínuo da distância


vinícius lordes é capixaba da terra de sérgio sampaio. poeta. professor. doutorando em antropologia.