[Imagem de Hiroshi Sugimoto]
o ato de desenhar
idéias assemelha-se
por vezes
a um ritual de caça
uma
palavra
(ou
uma manada
delas)
vaga nas
planícies
de uma
fazenda de ar
(e nós
agri (doces)
cultores
fazendeiros do ar
sedentários (bárbaros)
admiradores da alma
sentimos a
fome ancestral
da palavra nova)
(: palavra
bicho ingênuo (áporo)
que deus faz brotar
(sacro ofício)
da boca pra fora)
:
devemos
nos acercar
da
palavra (daquela
pela
qual se guia
a
manada) mas
como
é difícil distingui-la
entre
tantas peles
de
lobos e cordeiros
somente
é possível
aproximar-se
cercando-se
de cuidados
é
preciso fingir
(a)
hora que ela é comum
(a)
hora que ela é sagrada
—
entre um ponto e
outro
tentar descobrir
de que sub instância
é feito o seu nada)
chega mesmo a hora
em que é preciso dar
um bote
na palavra (o fazendeiro
sibil-vacilante
à
espreita)
capturá-la
de uma só vez
numa única
bocada
(caçador
macunaímico
: chega uma hora
em
que não pode ter
escrúpulos
nem
nenhuma espécie
de caráter)
cada poema
guarda as palavras
caçadas (imoladas
despeladas destrinchadas
esquartejadas : deixadas
prontas para serem saboreadas) de uma maneira
diversa
(a caça é
espreitosa
e o poema — o
caçador conhece
cada recanto de
sua fazenda de ar — é
oportunista
(inclusive maldoso
e perverso :
especialmente aquele que é belo)
(há (é claro) poemas fotossintéticos
canibais respeitosos
há mesmo
poemas tão miméticos
que não perdem de vista
as verdades eternas
: densas estrelas anãs
recontam infinitamente
a glória de ser
a certeza dedicada de cada sol
e sua equidistância (pura errância)
há poemas tão pequenos
(bactérias etéreas) e epopéias
gidantescas — memórias de elefantes
cantos de mil baleias)
: serpentina
eterna
voz de víbora
(sedentário caçador
estendendo sua rotina) bem-vinda
às mil bocas indistintas
de nosso inferno
*
PROMETEU
(MODERNÉRRIMO) NO
CARNAVAL
I
uma vida
cada vida
toda vida
tudo o que
vive
(: os silêncios
que põe
pra fora
e ninguém
ouve
ninguém
vê)
e todo mundo
finge
que não sabe)
os silêncios
da vida de Freud
os silêncios
da vida de Nietzsche
(o silêncio ruidoso
da mesa (cheia)
ao lado
: o silêncio
que não precisa
de espaço)
II
cansado
Prometeu?
nem vem
meu nego
que agora
não é hora
pra arrego
dê
seu berro
a liberdade
vem no grito
aflito
de quem nunca
antes
se divertiu (quase
toda a humanidade
e seu estado
fabro-fibro : febril)
ah
você ainda
se acha
vil?
mas nem és
metal
nem és
venal
(tão ocupado
estavas tu
contigo
que a ninguém
mais
fizeste mal)
intencionalmente
: os acasos
Prometeu
são o que
realmente
fodem a vida
da gente)
pule
pule
pule
Prometeu
um dia
a festa acaba
um dia
você
não será
mais
capaz
de nada
(: por aí
vão dizer
que até
o (a)teu (do teu)
fígado
envelheceu)
*
SILENCIOSA
a bola
rola
chovem
nuvens
artificiais
:
cada ser
humano
ab sol(u)to
em suas
próprias
espirais
*
quando o poeta retorna
de algum longo passeio
por suas vastas fazendas
planícies
seus
vastos domínios
seus vastos domínios
de ar
precisa firmar bem os pés
no chão:
corre muito
o risco de se
desequilibrar
(corre muito o
risco
de ter mágoas demais
a desafogar
(desencantado
que fica
ao sentir vacas
frias)
: é o mundo que não o
reconhece mais
(tanto
mudou um
na ausência do outro)
e o desmerece
(logo
o poeta
que
no esforço de sub-trair-se
ao
mundo
precisou
compreendê-lo
em
demasia
suportando-o
nos ombros
e
apreendendo-o apenas
no
gesto do próprio punho
(em suas plenas
mãos vazias
nuas
frias)
:
naquilo
em
que
ele mesmo
se
descrevi(vi)a)
que não o enaltece
não o reconhece
expulsa-o da
cidade
não o deixa ter companhia
e tanto mais
dele escarnece
que o deixa
(ao poeta)
no retalho
da carne viva
por isso o poeta
ao retornar
ao mundo dos vivos
(não mais Pasárgada
nem Arcádia
e muito menos
Utopia)
deve habitar
peremptoriamente
o limbo : deve
per
(
de
(da)
r)
ambular
como se andasse
num mundo morto
(ele próprio morto)
não procurando mais nada
senão o fio que a Parca
fia
: apenas
reencontrando
um destino
(coisa que
no latifúndio
de ar
que lhe coubera
nunca soubera
que existia)
voltará a ter espaço
e poderá desfrutar
do tempo
:
somente assim
terá anistia
*
AISTHESIS
e nisso
a vida
vem vindo
(perdurando
o instantâneo
tanto
de existir)
e nos trespassando
: vamos sendo
(ou deixando
de ser) nós mesmos
transformados
em poesia
(: é dessa forma
que a vida
deixa de ser
oca – casca
vazia
apenas
para virar
substância —
coisa a ser
sentida)
Orlando Lopes
(Guarapari, 1972) é professor universitário (UFES) e ativista cultural.
Publicou Hardcore blues — apocalyptic
songs (SPDC/UFES, 1993) e Occidentia
— primeira via (Huapaya, 2007). Tem no prelo Occidentia — segunda via, a ser lançado pela editora Cousa. Mais sobre Occidentia: aqui.