8 de maio de 2014

Poema inédito de Arjen Duinker

Tradução de Arie Pos




Nascido em Delft, em 1956,  Arjen Duinker é considerado um dos mais relevantes poetas holandeses contemporâneos. Formado em filosofia e psicologia, publicou, além de um romance, onze volumes de poesia. Em 2001, recebeu o Prêmio Jan Campert pelo livro De geschiedenis van een opsomming (A história de uma enumeração, 2000). A coleção De Zon en de Wereld (O sol e o mundo) ganhou o Prêmio de Poesia VSB 2005 e foi publicado em tradução inglesa na Austrália. A obra de Duinker está traduzida em várias línguas, tendo também constado em várias compilações na França, Portugal, Itália, Irã, Rússia, Reino Unido, China, Finlândia, Croácia e México.


Sailor’s Home
Arjen Duinker
Tradução de Arie Pos


1

O apelo das ondas, vermelho.
Uma flor deslizando por um declive
Doa o seu perfume a uma escarpa
Silenciosa, livre no céu.

O orgulho das ondas, negro.
Os olhos roubam o inesperado
Que com pequenas folhas alivia
Os vergões na pele.


2

As pestanas quebram o desejo.
Os motores esmagam o desejo.

Cadência nos lábios, cadência no sangue!
Vento, espalha o cascalho em todas as direcções, vento!

Que a escuridão cintile, e seja noite em pleno dia!
Cadência nos dedos, cadência no cabelo!

Os motores, arfando, saboreiam o óleo.
As pestanas vêem o óleo num leque.


3

Cristas fustigantes e bicos estridentes...
Extremidades de palavras em fumo espesso...
O navio oculta os caminhos pelo idioma,
Faz riscos ao contrário no espelho,
O coração do mar cresce e torna a crescer...

Onde a flor mostra a sua beleza,
As gotas salgadas de orvalho evaporam-se num sussurro
De borboleta e ar.


4

Tremura com cauda
No dorso, olhos
Vêem dois lábios.

Onde a flor mostra a sua beleza...

Cintila o navio entre escamas desmedidas,
Serpenteia o navio para o seu destino em turbilhão,
Serpenteia o abismo em volta de seios delirantes,
Cintila o abismo como coração que estremece.


5

De repente, os elementos soltam as entranhas.
Relâmpagos formidáveis marcam a rota para o porto.
O cheiro de cabelos soltos é inelutável e fabuloso.
O navio avança ao encontro da cisão de realidades,
Navega através de factos insonoros e factos ruidosos.
Todos os factos se reúnem aqui para escolher palavras,
Todas as palavras se juntam para fazer sonhos,
Tão bem que o bater das velas deixa de existir.


6

Mesmo antes da prancha, os pés,
De calos salgados, andam calçados no cais.
Um órgão canta intenções para as gaivotas
Com o seu traje resplandecente de restos de comida.
Mesmo antes da prancha, o coração bombeia
Uma certeza extrema pelo ventre.

O espelho encanta a agulha da bússola!

Tonto de sonhos na bruma da Nova Caledónia,
Com mãos que lavam a dor de umas costas tailandesas,
Lúcido de sonhos no equilíbrio de Espanha.
Dedos girando nos topos do seu centro,
Palmeiras abanando rente a uma sobrancelha,
Ratos dançando na cavidade do pescoço.


7

Calças com camisa de botões assobiando.
A ondulação transparente nas pedras ao vento.
Uma mulher seca os pulsos e os braços.
Que sonho enxuga as lágrimas de uma nuvem?
A comunidade de palavras é um turbilhão
Que vive nas entranhas, e na boca.

Agulha de bússola encanta espelho...

Enquanto os lábios não precisam da boca,
Enquanto a língua faz aproximar estrelas cheias
Para explicar como o desejo é cruel
A pálpebra, omoplata, pergunta, possibilidade,
Enquanto os lábios saboreiam uma laranja,
Enquanto a língua se bifurca ardentemente.


8

Caro Lian, querido amigo, Lian, em frente do Sailor’s Home
Está um homem alto e louro que diz a um outro:
Em Copenhaga, numa cave nojenta? Aí aloja-se a máfia.
E eu vejo a minha vida condicionada pela minha cabeça cara.
O que eu não percebo, diz o outro, é como tu,
Com o teu intelecto, pescas tão pouco de processos sociais.
Isto é yin e yang, diz o alto, dar o mal e receber o bem.
Nada disso, diz o outro, tens mas é de agir normalmente.

Passa um carro, abre-se a porta,
O corredor é elegante, o refeitório fica à esquerda,
Escadas sobem em ângulo para o piso seguinte,
Abre-se uma porta: o jogo de dominós,
Os olhos rebrilham, com champanhe.
Lian, estivemos em Génova, contei quatrocentas ruas.
Aqui, em Gante, perdi dedos, importa apenas esta doca brilhante.
Onde a flor mostra a sua beleza, o marinheiro está em forma.
Olha, bolhas que saltam de pés que tremem para tornozelos que perguntam,
Olha, bolhas que beijam o fundo entre o número certo de olhos.


9

As palavras nas metades da língua
Tornam-se mais autónomas e mais independentes!
Começam a gritar coisas uma para a outra,
Ambiciosas debaixo de um céu infinito!
Fazem o seu melhor, chocantes e transparentes,
Para destilar estrelas de saliva!

O saco junto à janela.
Os sapatos junto à janela.
Os cigarros junto à janela.
O colar sobre a cama.

Agora, as palavras já não pertencem à língua,
Mas a língua é propriedade das palavras,
Ondas enfeitadas que afagam tornozelos.
Os dedos dos pés soltam-se do chão,
É uma adoração no fundo que sentem os dedos dos pés,
Os dedos dos pés espalham um pó negro avermelhado,
Deslizam suavemente pelo ar os dedos dos pés,
Os dedos dos pés mostram-se numa nuvem.


10

Onde a flor mostra a sua beleza,
O desejo solta-se do depois,
Há nomes pendurados em dois cachos de oito,
Uma unha grava o horizonte na pele.

Onde a flor mostra a sua beleza,
Dedos transformam-se em aqui e aqui e aqui,
Mãos agarram véus de cabelo,
Cores respiram infinitamente o infinito.

Onde a flor mostra a sua beleza,
Insectos zunem em luz ininteligível,
Olhos atravessam o ventre atordoado,
O braço inferior cheira sonhos esquecidos.

Onde a flor mostra a sua beleza,
A consoante inspira a vogal.

Onde a flor mostra a sua beleza,
Borboletas tomam o sal do mar.

Onde a flor mostra a sua beleza,
O tempo esmalta tatuagens em pequenas folhas.